«Lindo», de Margarida Gramaxo, é daqueles filmes raros que nos ganham ao mesmo tempo pelo olhar e pela alma. Rodado ao longo de quase uma década na Ilha do Príncipe, este híbrido entre documentário e ficção mergulha na transformação íntima de um homem — Lindo (de seu nome Manuel da Graça), caçador de tartarugas durante vinte anos — que se torna um dos principais defensores da sua preservação. Mas esta não é só uma história de redenção pessoal: é uma fábula sensível sobre pertença, natureza e mudança num território que é também personagem viva do filme.
Desde os primeiros planos, sentimos que estamos perante um gesto de cinema que valoriza a escuta e a permanência. Nada aqui é apressado. A realizadora evita o dramatismo e prefere uma abordagem contemplativa, onde o tempo se dilata e os silêncios têm tanto peso como as palavras. A epifania fundadora — o encontro de Lindo com uma tartaruga dócil que, em vez de fugir, o acompanha no mar, faz lembrar «A Sabedoria do Polvo» (2020) — poderia ser o clímax de um filme convencional. Aqui, é apenas o início de um percurso que se constrói com delicadeza, sem pressas nem moralismos.
A beleza serena da ilha, captada pela câmara de Hugo Azevedo (e pela subaquática de João Rodrigues), é registada com clareza e respeito. Não há exotismo gratuito. O mar, a vegetação, os gestos da comunidade local aparecem como são, com todas as suas texturas e ritmos naturais. A montagem de Grazie Pacheco articula com mestria diferentes tempos — o passado de Lindo, o presente da ilha e o futuro que se vislumbra — sem nunca perder o fio emocional. Já a banda sonora de Hugo Leitão e o som desenhado por Pedro Freitas criam uma envolvência subtil, ao serviço da narrativa.

Lindo não é apenas um símbolo de mudança: é um homem com dúvidas, fé evangélica e uma ligação complexa ao seu território. O filme acompanha o seu reencontro com colegas que ainda resistem à transição ecológica, os debates sobre o futuro da ilha — agora Património da Biosfera da UNESCO — e as tensões trazidas pelo turismo e pelo investimento estrangeiro. Embora esse contexto socio-económico pudesse ser aprofundado, a opção de não fechar o discurso reforça a coerência da proposta: não impor uma lição, mas abrir espaço à reflexão.
No fundo, «Lindo» é uma lição de escuta, à natureza, às comunidades, às contradições da mudança. Margarida Gramaxo filma com tempo, com cuidado e com respeito. E isso sente-se. O resultado é uma obra luminosa, que nos convida a repensar a forma como habitamos o mundo. Sem discursos panfletários nem encenações artificiais, «Lindo» mostra que o cinema também pode ser político quando escolhe sussurrar em vez de gritar.
Uma estreia promissora, madura e profundamente humana. Um filme bonito, bonito mesmo.
Título Original: Lindo Realização: Margarida Gramaxo Elenco: Lindo (Manuel da Graça), Regina Lopes, Márcia da Graça, Nataniel da Graça Origem: Portugal Duração: 90 minutos Ano: 2023 Género: Documentário

