No muito seguro «Led Zeppelin – O Nascimento da Lenda» («Becoming Led Zeppelin»), 2025, de Bernard MacMahon, as palavras que sintetizam o nascimento do grupo do dirigível e a sua coesão interna, apesar das diferenças que existiam na origem entre os quatro músicos protagonistas, são ditas pelo guitarrista Jimmy Page: “Se pressentes que há algo que marca a diferença na maneira de ser e estar, então precisas de mergulhar a fundo no reforço diário dessa vocação. Precisas de acreditar. Desde que o foco seja claro e desde que sejas verdadeiro contigo mesmo, podes concretizar qualquer sonho”. Nesta espécie de corolário e síntese, dita com pacífica e sábia harmonia (que a passagem dos anos favorece e consolida), salienta-se um ponto fulcral inerente a qualquer carreira de sucesso: a preocupação em ser sincero na abordagem das fronteiras que se querem atingir e sempre que possível ultrapassar. Tudo isto sem ignorar os avanços e recuos dos passos dados que, na maioria das vezes, precisam mesmo de ser conquistados palmo a palmo. Em suma, estamos aqui perante os valores da perseverança existencial e os da sinceridade…! Precisamente aquilo que sobressai dos 121 minutos e 30 segundos de um documentário que não se limita a reproduzir os ecos do que já se sabia nem reduz a sua progressão a uma cronologia de concertos e momentos exemplares, antes pelo contrário. Naturalmente, algumas das grandes performances do grupo, sobretudo na fase inicial que corresponde aos álbuns Led Zeppelin I e II, fazem parte da sua componente musical. Mas qualquer delas vai ser articulada com a respectiva contextualização e o seu significado na História, com H grande. Para dar força estrutural a esta vertente, desde cedo inclui-se o discurso directo do já citado Jimmy Page, assim como do vocalista Robert Plant, do guitarra-baixo John Paul Jones e do baterista John Bonham (31 de Maio de 1948 – 25 de Setembro de 1980). Deste último, por razões óbvias, ouviremos apenas declarações gravadas antes da sua morte precoce, aos 32 anos. Todavia, gravações que, adicionadas aos actuais depoimentos dos seus antigos companheiros, constituem uma hipótese soberana de escutarmos o que até agora permanecera na relativa sombra dos chamados materiais inéditos. Nestas ocasiões somos levados a pensar como sempre foi importante o esforço de pesquisa empreendido pelas equipas que se ocupam de projectos desta natureza. Porque aquelas são gravações preciosas, documentação sonora que revela bem o ambiente que se vivia numa determinada época social e musical, sobretudo no Reino Unido. São ainda reveladoras da influência que aqueles rapazes ainda jovens sofreram, no melhor sentido da palavra. Por exemplo, John Bonham ficou maravilhado com a destreza e energia do excelente baterista americano Gene Krupa. Já Robert Plant decidiu ser cantor depois de assistir ao ambiente louco que acompanhava os espectáculos de Little Richard. John Paul Jones, cujos pais ganhavam a vida no vaudeville e levavam o filho nas suas digressões, sobretudo a bases militares para entretenimento dos soldados, foi influenciado por uma gama muito vasta de sonoridades e instrumentistas. Por fim, Jimmy Page estava atento ao que acontecia no campo da inovação musical do outro lado do Atlântico, nomeadamente a cada vez maior utilização de guitarras eléctricas. Na altura ele achava que nada disso estava a despontar com a mesma velocidade no seu país e na Europa, até surgir um guitarrista compatriota chamado Lonnie Donegan, o “Rei do Skiffle”, que lhe serviu de incentivo e padrão, não só musical como de irreverência. Dali para a frente foi sempre a abrir no domínio da guitarra (magnífico o solo acústico que podemos ouvir interpretado por Jimmy Page, numa fase já consolidada da carreira) até encontrar um lugar seguro como músico de estúdio. Finalmente, depois de abandonar essa profissão financeiramente compensadora mas pouco sedutora face ao que queria ser num futuro próximo, um rebelde com causas, veio a ser um dos pilares fundadores do grupo Led Zeppelin, depois de integrar o igualmente famoso The Yardbirds, por onde passaram outros génios da guitarra solo, Eric Clapton e Jeff Beck.

Para um grupo que habitualmente vem catalogado sob designações como Blues-Rock, Hard Rock, Heavy Metal, Electric British Blues, uma abordagem meramente linear, fosse num documentário ou numa ficção, seria impensável. Nesse aspecto, «Becoming Led Zeppelin» não nos apresenta os caminhos que levaram ao nascimento da banda sem referir as bases políticas (o pós-Segunda Guerra Mundial), económicas, sociais e culturais relevantes em que os seus membros nasceram, viveram e se formaram. São inúmeras e muito bem escolhidas as inserções de imagens documentais, quer da vida dos músicos, dos familiares e dos seus cúmplices no showbusiness, quer da actualidade histórica coincidente com o contexto que sequência a sequência se aborda. Nem no filme se oculta que o contrato com a Atlantic Records nos EUA foi o ponto de viragem decisivo para o lançamento do primeiro e muito bem concebido álbum (12 de Janeiro de 1969) Led Zeppelin I. Nele sentimos a influência de um Jimi Hendrix, de um Jeff Beck e dos Cream, mas as composições, não obstante baseadas numa dinâmica onde imperava a guitarra-rock, não se ficavam pela distorção dos acordes eléctricos investindo antes numa série de referentes que constituíam multicamadas de pulsar musical controladas pela destreza dos riffs (motivo ou frase de guitarra, repetido várias vezes), por uma invulgar dimensão vocal e pela contundente pulsação da percussão e do baixo. No Led Zeppelin II, gravado durante a estadia do grupo nos EUA, a reinterpretação dos blues e dos standards do rock’n’roll é o prato forte, sentindo-se a verdade do directo dos concertos ao vivo. Recordemos “The Lemon Song”, “Bring It On Home” e o clássico “Whole Lotta Love”.

Dito isto, este que vos escreve com entusiasmo estas linhas, ou seja, aquele que considera John Coltrane, Deus, Miles Davis, o Filho, e Albert Ayler, o Espírito Santo, mas que não dispensa Bruce Springsteen, Lou Reed, Joni Mitchell, Ella Fitzgerald, Claude Debussy ou Johann Sebastian Bach, entre mil outros que podia citar, para o que interessa aqui e agora aponta-vos o caminho que neste caso só pode ser o de darem corda aos sapatos e irem ver “Led Zeppelin – O Nascimento da Lenda” (sinceramente, prefiro o original, “Becoming Led Zeppelin”) num grande ecrã, o maior que encontrarem, com os olhos e ouvidos bem abertos.

Só uma derradeira nota: sei que muitos irão perguntar porque é que o documentário não avança para o Led Zepellin III e para o mais do que emblemático Led Zeppelin IV e seguintes. Já ouvi esse reparo na boca de alguns críticos. Na minha opinião, por uma boa razão: o que está em causa são os primórdios e o ambiente que gerou a formação do grupo, não a carreira que levaria seguramente mais do dobro da duração deste projecto a contar. «Becoming Led Zeppelin» foi pensado para o cinema, não para ser dividido em episódios para TV, e em muitos países poderá ser visionado com imagens e sons dignos de um Imax. Todavia, podemos sempre esperar que o realizador, homem a quem devemos as notáveis abordagens sobre os primórdios da indústria discográfica intituladas «American Epic» e «The American Epic Sessions», 2017, nos surpreenda com uma eventual continuação. Seria uma inequívoca oportunidade de subirmos a hiper-mítica “Stairway To Heaven”.

Título original: Becoming Led Zeppelin Realização: Bernard MacMahon Documentário Reino Unido/EUA, 2025

Foto a p/b: Led Zeppelin by Dick Barnatt – Redferns_London_December 1968_Getty Images

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