Vencedor de Cannes/2015, com “Dheepan”, Jacques Audiard é uma voz original do cinema francês; filmes como “De Tanto Bater o Meu Coração Parou” ou “Ferrugem e Osso” ilustram a sua fidelidade a uma estética sempre marcada pelo trabalho dos actores.

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº47, em Março 2017, com o título “Jacques Audiard – Um Mundo sem Utopia”]

Mesmo reconhecendo os méritos de «Dheepan», consagrado no Festival de Cannes com a Palma de Ouro de 2015, talvez seja relativamente pacífico considerar que está longe de ser o melhor filme do francês Jacques Audiard. Dir-se-ia que a história do homem do Sri Lanka que sobrevive em França graças a um trabalho clandestino possui uma incontornável actualidade política e simbólica que, por certo, influenciou as decisões do júri presidido pelos irmãos Coen.

Não vem daí grande mal ao mundo. Em qualquer caso, valerá a pena sublinhar que o herói de Dheepan (nome da personagem central, precisamente) vive a tragédia íntima de alguém que se insere de forma intensa num determinado contexto, ao mesmo tempo que as respectivas componentes laboram, de forma mais ou menos encapotada, para o excluir ou, no limite, destruir.

Um Profeta

Assim acontecia, por exemplo, em «Um Profeta» (2009), drama de prisão que em muito superava as convenções do género, quanto mais não seja porque havia nele uma procura de uma verdade eminentemente física que mobilizava, até às consequências mais extremas, os sofisticados talentos de actores como Tahar Rahim ou Niels Arestrup. O mesmo se pode dizer, aliás, de Mathieu Kassovitz no dramatismo histórico de Um Herói muito Discreto (1996), Emmanuelle Devos à deriva no negrume melodramático de «Nos Meus Lábios» (2001) ou ainda Romain Duris em «De Tanto Bater o Meu Coração Parou» (2005), porventura o trabalho mais denso de Audiard, explicitando a sua dívida estética em relação ao cinema “noir” de Hollywood — trata-se, aliás, da adaptação de um filme americano de James Toback, «Fingers» (1978), retrato dilacerado de um homem, interpretado por Harvey Keitel, igualmente envolvido com o mundo do crime e a sedução do piano.

Neste universo sempre dominado por personagens masculinas, emergiu uma sublime personagem de mulher, interpretada por Marion Cotillard em «Ferrugem e Osso» (2012). Trata-se de um filme ao mesmo tempo cristalino e enigmático, encenando a pulsão de vida na mais crua intimidade com a morte, de alguma maneira esclarecendo uma componente fulcral da visão do mundo de Audiard: na sua errância física ou moral, as suas personagens vivem como sonâmbulos de um tempo em que ninguém parece capaz de relançar o desejo de utopia. É um cinema feito de fábulas abstractas, afinal inscritas no doloroso concreto do dia a dia.

Foto de Jacques Audiard © Eponine Momenceau

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