[Texto originalmente publicado no site Cinema2000, 17 de Janeiro 2008]
«Expiação» é a segunda longa-metragem de Joe Wright, após «Orgulho e Preconceito», este continua brilhante e exímio nos mais ínfimos pormenores dirige com destreza unindo na perfeição todos os componentes essenciais para a consolidação deste filme. Desde do argumento, adaptado por Christopher Hampton a partir do best seller “Atonement” de Ian McEwan, passando pelos actores até aos diferentes departamentos técnicos tudo se funde para formar uma épica história de amor que decorre à sombra da segunda guerra mundial.
O romance absorve o espectador de forma intensa, o leque de actores foi bem escolhido dando credibilidade e forma às consciências singulares dos personagens. Um aspecto crucial na narrativa que é estruturada em diferentes perspectivas de cada vértice do triângulo afectivo.
Tudo se inicia em 1935 numa mansão vitoriana situada no countryside britânico, um dia quente que vai exacerbar os sentimentos dos personagens, uma sucessão de acontecimentos marcantes vão tornar este dia memorável. Um acto incompreendido visto por Briony Tallis (Saoirse Ronan), uma precoce escritora de 13 anos com uma imaginação a fervilhar vai corroer à nascença a paixão que é descoberta entre a sua irmã mais velha Cecília (Keira Knightley) e Robbie (James McAvoy). Brionny esbarra sobre a incerteza do que vê e daquilo que a separa da realidade, observa a repentina evolução da paixão de Cecília, que aos seus olhos assumem contornos distorcidos. Wright volta a repetir os momentos que Brionny presenceia mas com uma diferente configuração através da perspectiva de Robbie e Cecília. Nas sequências bastante inspiradas da fonte, da carta ou da biblioteca apercebe-se que algo está em ebulição. A câmara parece uma gota de suor que desliza sobre os corpos espelhando a intensidade amorosa entre Robbie e Cecília.
Brionny é a personagem central deste enredo é retratada em três diferentes momentos da sua vida, o pecado de infância (Saoirse Ronan), a expiação dos mesmos em adulta (Romola Garai) e o arrependimento no crepúsculo da vida (Vanessa Redgrave). Três belas interpretações sobre o mesmo papel com assinaturas como a roupa (branco e azuis) que unem a figuração desta. A interpretação de Brionny em criança por parte de Saoirse Ronan é a mais impressionante pela maturidade e gestão demonstrada nas suas diferentes paixões uma interpretação bastante rica. O par formado por Knightley e McAvoy está exemplar, a actriz volta, sobre a direcção de Wright, a arrancar uma performance conseguida nos vários momentos da sua paixão, de reclusa até ao amor desenfreado quedando-se na abstinência são momentos de puro encanto. McAvoy por seu lado consegue demonstrar qualidades que não tinha encontrado no seu último sucesso internacional («O Último Rei da Escócia») em «Expiação» está em sintonia com o personagem.
Para além da riqueza no enredo o espaço criado pelo olhar de Wright continua a ocupar lugar central nos seus filmes. Uma sequência filmada a stedycam sobre plano contínuo, com mais de dois mil extras sobre um cenário fértil cheio de detalhes a serem descobertos pelos espectadores temos uma impressionante visão de Dunquerque, palco de uma das maiores humilhações da coroa britânica durante a guerra. A câmara captura em pleno o desespero, as esperanças falhadas, a sensação do abismo que paira sobre os soldados britânicos despojados de orgulho numa praia com vista para a costa britânica que se assume em cena como um horizonte distante. Um cenário bíblico onde a câmara penetra por todos os cantos da praia acompanhando Robbie que entretanto passado quatro anos dos acontecimentos da mansão combate a invasão nazi na Europa continental longe de Cecília. Na outra margem, a realização mostra o militarismo vestido de branco, num hospital militar, Brionny agora com dezassete anos é uma enfermeira voluntária e notável pelo seu espírito estóico alia-se ao esforço de guerra britânico. Momentos conjugados a muitos outros formam duas horas inesquecíveis de cinema.
Todo este trabalho não seria possível sem o impecável departamento técnico que acompanha Joe Wright, galardoados e com bastante experiência em grandes produções muitos repetem o feito de «Orgulho e Preconceito». Jaqueline Durran traz à cenas belas criações a nível do guarda roupa é a responsável pelo vestido verde que já se tornou famoso tal é a sensualidade e glamour que confere à sua usuária em cena. Seamus McGarvey, dirige a fotografia, cria diferentes tons nas cenas chave do filme a mansão e sua envolvente idílica saída de um sonho, para Londres em tons crus. O caminhar para o inevitável também é preparado a cada segundo, por exemplo com o incessante bater de uma máquina de escrever ao compasso da musica escrita e interpretada pelo maestro e compositor Dário Marianelli.
Tal como o anterior trabalho deste realizador apesar de se visionar um registo de época continua-se a fazer a transição para o presente através das emoções e sentimentos que são similares aos vividos por muitos espectadores esse elo de cumplicidade é crucial e espero que continue a acompanhar este promissor talento da realização britânica.
Título original: Atonement Realização: Joe Wright Elenco: Keira Knightley, James McAvoy, Brenda Blethyn, Saoirse Ronan, Benedict Cumberbatch Duração: 123 min. EUA/Reino Unido/França, 2007
https://www.youtube.com/watch?v=rkVQwwPrr4c