“Aqueles de entre nós que alguma vez estiveram no mundo dos serviços secretos nunca realmente o deixam. Se não partilhávamos os seus hábitos antes de entrarmos nele, partilhá-los-emos para todo o sempre.” Estas palavras de John le Carré no livro de memórias “O Túnel dos Pombos” (edição Dom Quixote), sobre a natureza obsessiva do ser espião, podiam vir em epígrafe na série «The Agency», novidade da SkyShowtime. Qual charme bondiano qual quê… Ação acrobática e escapismo? Se procura este género de história de espionagem, esqueça, não o vai encontrar aqui, contra todas as probabilidades que definem as ficções do nosso tempo – um tempo viciado em narrativas de azáfama visual, com pouca margem para diálogos condutores em território desconhecido. Importa, então, que fique claro logo à partida: estamos perante uma série com veia de Le Carré, e como tal, menos próxima de um espetáculo de ação do que da angústia da identidade perdida. Como se ouvirá alguém dizer, “this is the agency, nothing is personal”.

Adaptação do drama francês «Le Bureau des Legendes» (2015-2020), esta proposta de thriller de psicologia intensiva muniu-se do melhor elenco para captar as atenções: de Michael Fassbender a Jeffrey Wright, passando por Richard Gere e um conjunto de brilhantes secundários, «The Agency» insere-nos na atmosfera “intelectual” da espionagem através da figura carismática de um agente regressado à sua base em Londres, depois de seis anos de missão em Adis Abeba, onde se apaixonou por uma mulher. Martian (Fassbender), nome de código, será, pois, o ângulo principal numa série de 10 episódios (a imprensa teve acesso a três) que se alarga à dinâmica interna da CIA, enquanto jogos de traição e novos recrutamentos expõem a linha fina e complexa que separa a nossa realidade da realidade dos agentes secretos.
Sem o pronunciado estilo americano deste tipo de thriller, geralmente reconhecido pela expressão enérgica, mas com refrescantes diálogos inteligentes que dão outra engrenagem e gravidade aos episódios, «The Agency» parece ter aproveitado o molde da interpretação de Fassbender em «The Killer», de David Fincher, para preencher com novos elementos psíquicos uma postura mecanizada pela experiência. Veja-se, por exemplo, como um novo apartamento pode ser um ninho de vigilância interna: só um agente calejado tem a intuição precisa para encontrar cada um dos microfones plantados em zonas cirúrgicas. É nesta condição de permanente desconfiança que se aguça a narrativa. E já agora, convém referir que Joe Wright (realizador de «Orgulho e Preconceito») assina os meticulosos dois primeiros episódios.