Estamos confinados à nossa solidão enquanto hereditariedade. Na sua primeira longa-metragem, Diogo Costa Amarante e com um repertório estudado das comédias negras à lá Pedro Almodóvar, elabora um estudo sobre essa natureza humana, exposta em três gerações e em ambiente metropolitanos, demograficamente densos mas que nestas instâncias captadas são desertos habitacionais. Cada um destes seres se entregam aos desejos, ora carnais, ora presenciais, que os corroem por dentro. Temos então a trindade do só; a avó, Valerie Braddell, que na sua viuvez requisita o corpo da sua amiga médium para incorporar o espírito do seu falecido marido, no centro (e que centro!), a mãe, Sandra Faleiro, a fetichizar o seu vizinho polícia, dispondo-se voluntariamente para lavar-lhe a farda enquanto teme pelo rato que pavoneia pela casa durante a noite. Farda essa, “contrabandeada” pelo filho, Carloto Cotta, para escapadinhas nocturnas, a fantasia materializada num delírio constante. «Estamos no Ar» aborda-nos repressões desfiguradas, ou até mesmo figuradas em espíritos animais (o rato é claramente um signo desse traço), neste tom de festividade de final de festa, condizendo com a angústia destas personagens estranguladas nas suas ambições nem sempre concretizadas. Há uma certa ridicularidade nestes becos, seja dos costumes à portuguesa compreendidos num certo conservadorismo opressivo, seja na cultura do espéctaculo televisivo exposto nos pseudo-programas de ‘aberrações’ ou de variedades com os “velhinhos” enquanto público-alvo, o filme é aflitivamente um olhar para essas culturas da solidão, perpetuadas nestas sociedades modernas em que cada um se mantêm no seu próprio “mundinho”. Mas seremos capazes de questionar, essa mesma, e própria condição? Costa Amarante tem aqui uma estreia interessante no palco da longa, uma tragicomédia decorativamente queer e com o seu quê de pop-luxo, com sonhos e vontades, mesmo que narrativamente cede ao malabarismo desigual das suas historietas. Contudo, o coração pertence a Sandra Faleiro, que oferece a «Estamos no Ar» o seu corpo e a sua evidente e entranhada melancolia.

Título original: Estamos no Ar Realização: Diogo Costa Amarante Elenco: Carloto Cotta, Sandra Faleiro, Valerie Braddell, Anabela Moreira Duração: 90 Minutos Portugal, 2024

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