Ode ao Japão de Yasujiro Ozu (1903-1963), «Tokyo-Ga» de Wim Wenders, um documentário de 1985, é uma espécie de retrato fantasma que rodeia «Dias Perfeitos» não como assombração, mas como alumbramento, pois se dá uma espécie de simbiose entre dois filmes que traduzem momentos distintos de Wim Wenders pelo país que ajudou a formar o seu olhar. Com Ozu, ele aprendeu que “a rotina tem o seu encanto”. É esse o princípio que rege o quotidiano de Hirayama, zelador interpretado nas raias do esplendor por Koji Yakusho: não o da inércia, mas da contemplação dos momentos que abrem mão de bruscas transformações.

Hirayama vem da mesma paisagem humana dos filmes de Ozu. Filmes para os quais «Tokyo-Ga» olha de modo melancólico, como se algo defunto de outrora estivesse a agrilhoar o seu entendimento do cinema naquilo que o semiólogo Roland Barthes chamava de “foi aí”, ou seja, o particípio da construção artística, um resquício pretérito. Mas um olhar que guia «Dias Perfeitos» é gerúndio, ou seja, um tempo de fricção.

Depois de uma longa-metragem na sua fase documental, iniciada com o fenómeno «Buena Vista Social Club», em 1999, Wenders volta ao écran, fazendo ficção, agarrado à poesia numa vertente heraclitiana ciente de que não se pode, jamais, molhar-se nas mesmas águas ao revisitar um mesmo rio, pois tudo muda. Ao acompanhar o dia-a-dia de Hirayama, um empregado do serviço de limpeza das casas de banho públicas de Tóquio (papel que deu a Koji o prémio de Melhor Ator de Cannes), a partir da informação sentimental de que ele ama por rock, degustando o ritmo em cassetes. Gosta também de ler. Ponto. A sua vida se ressume a isso: é se abrir às palavras. Situações subtis com colegas de trabalho e reminiscências do seu passado vão cruzar o seu caminho, mas não vão abalar a harmonia que ele criou. Harmonia que a edição de Toni Froschhammer absorve numa acolhedora montagem, capaz de valorizar a luz apolínea da fotografia de Franz Lustig.

Título original: Perfect Days Realização: Wim Wenders Elenco: Kôji Yakusho, Tokio Emoto, Arisa Nakano Duração: 123 min. Alemanha/Japão, 2023

[Crítica originalmente publicada a 14 de Dezembro, 2023]

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