Algo que me perturba solenemente em «A Hora do Desaparecimento» são as evitáveis comparações de Zach Cregger com realizadores em ascensão no género, como Ari Aster ou Jordan Peele. Peguemos então no «Midsommar – O Ritual», do primeiro mencionado: À entrada do primeiro para o segundo ato, após o trauma exposto, o grupo de jovens [vítimas] prossegue a viagem em direção a uma comunidade sueca de rituais pagãos. Vemos o veículo avançar por uma estrada ladeada de bosques densos, enquanto a banda sonora de The Haxan Cloak instila uma atmosfera de arrepio, de súbito, quando menos se espera, a câmara roda 180 graus: o chão torna-se zénite, o zénite transforma-se em chão. É a antípoda da lógica. Essas personagens, mal se apercebem mas lidarão com isso mais tarde, penetram num mundo desconhecido, avesso às regras sociais da sociedade de onde vêm. Ou seja, em Aster há propósito no seu exibicionismo; tal como há autoreferência na imagética evocada por Peele, em Cregger, porém, falta essa razão, o que sobra é mero show-off, e as entrevistas do próprio falam por si, nessa inaptidão de refletir sobre o sumo extraído. «A Hora do Desaparecimento» segue assim a lógica da não-lógica: tudo nasce da mente do espectador, nada contra a essa permanente sugestão; antes isso do que o cerelac cinematográfico da sobreliteralidade, contra a qual me insurjo veementemente. Mas esta terceira longa-metragem (a segunda no legado de terror que Cregger pretende construir, três anos depois de «Bárbaro») sugere o oposto da vaga consumida pelos espectadores atuais: todas as crianças de uma turma (à exceção de uma) desaparecem exatamente à mesma hora [2h17], uma premissa misteriosa e ambiciosa que decreta falência, seja emocional, seja moral, num conjunto de personagens que de forma directa e indiretamente lidam com este desaparecimento, ou com as crianças desvanecidas. O filme preserva a aura de mistério e abre espaço a múltiplas interpretações. Há quem veja nele um exercício alegórico sobre os tiroteios em massa nas escolas americanas (esse flagelo estruturalmente cultural). Contudo, pela via da narrativa mosaico e perspectivada, Cregger (também argumentista) cede à tentação da explicação, o gesto em si resulta numa facada na alegoria e uma chapada na lógica: o desconhecido, que era a sua arma, transforma-se em fantoche de uma gloriosa sátira final. Voltando ao ponto inicial: é esse virtuosismo sem razão que marca o filme. Porquê filmar um corredor daquela forma? Porquê encenar uma sequência assim, senão para se mostrar “realizador dos grandes”? É outro flagelo: o da higienização de um género que sempre viveu da autoralidade, das metáforas e da irreverência. É o fenómeno de terror do ano porque é popular. Veremos se o tempo dará razão ao realizador ou a este escriba, até porque, a julgar pelas entrevistas concedidas pelo próprio, o gesto terá sido pretensiosamente acidental.
Título original: Weapons Realização: Zach Cregger Elenco: Julia Garner, Josh Brolin, Alden Ehrenreich Duração: 128 min. País: EUA, 2025
[Crítica originalmente publicada na Revista Metropolis 121, Agosto 2025]

