Probabilidades, esta é a palavra que mais interessa ao olhar do cineasta Ryan Coogler, americano nascido na Califórnia há 29 anos que ganhou notoriedade com «Fruitvale Station» em 2013 e, neste 2015, galgou o panteão de Hollywood com o fenomenal «Creed: O Legado de Rocky». Alguns chamam o filme de “Rocky 7”, uma vez que ele traz de volta o Garanhão Italiano, Balboa. Mas o personagem volta aqui com um vigor dramático como o pugilista nunca apresentara antes, visto que seu intérprete, Sylvester Stallone, hoje um senhor quase septuagenário, usa cada ferramenta gestual que tem para transcender suas limitações. E seria injusto dar à longa-metragem o nome de seu coadjuvante, mesmo que ele nos leve às lágrimas mais de uma vez, pois a estrela maior é o próprio cineasta, num exercício de autoralidade explícita. Como em seu longa anterior, centrado nas horas finais de um jovem vítima do racismo, Coogler se detém sobre situações prováveis, sobre escolhas e suas consequências, mas isso sempre à luz da discussão da exclusão social. E, em ambos, o protagonista é o mesmo, o perseverante Michael B. Jordan.
Agrilhoado ao factual, «Fruitvale Station» era uma resenha de timbres semidocumentais sobre o que poderia ter sido da vida de uma vítima do preconceito econômico se ele não tivesse estado em uma estação ferroviária na hora de um tumulto. É dramaturgia de digressões. Como ele poderia ter sido feliz por mais tempo? Como ele poderia ter um novo caminho? Menos digressivo, «Creed: O Legado de Rocky» também se pauta por perguntas. O que teria sido de Adonis (Jordan, numa atuação exemplar) se ele tivesse se conformado com o conforto familiar de sua tutora, a viúva de seu pai, Apollo (Carl Weathers), e recusado a centelha guerreira em seu sangue? O que teria sido de jornada se a inquietude frente às ausências e carências de sua infância pobre, antes da adoção, fossem menores? Como teria sido a experiência de abraçar Apollo?
As hipóteses vão sendo respondidas a soco, não dos adversários de ringue, mas da vida, que prega uma peça no jovem lutador a cada opção tomada, a cada decisão. E o argumento de Aaron Covington e Ryan Coogler sustenta esse espancamento pelos dilemas do verbo viver com uma estrutura mais preocupada com o drama e desenvolvimento emocional de Adonis do que com a violência. Esta se faz presente nas lutas numa forma isenta de juízos acusatórios. Há adrenalina aos litros, cativando a plateia.
Mais do que isso, há linguagem, coisa que raras vezes a franquia “Rocky” teve, apesar de todo o esmero fabular do longa original, de 1976, graças à mão refinada de John G. Avildsen. Em «Creed» Ryan Coogler incorpora elementos do jornalismo desportivo, com vinhetas, comentários, grafismos digitais, dando um dinamismo à montagem que eleva a dimensão de espetáculo desta produção de US$ 35 milhões. Mas nada em cena se equipara a dinâmica de Stallone, num esforço de converter o arquétipo do animal selvagem ferido pelas mazelas do dia a dia no arquétipo do sábio, que acolhe e ensina.
Título original: Creed Realização: Ryan Coogler Elenco: Michael B. Jordan, Sylvester Stallone, Tessa Thompson Duração: 133 min. EUA, 2015
[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº34, Janeiro 2016]
https://www.youtube.com/watch?v=Uv554B7YHk4&t=14s