Em «A Juventude» dois velhos amigos passam férias juntos num hotel de luxo, no meio dos Alpes Suíços. Fred Ballinger (Michael Caine) é um maestro e compositor reformado que apenas deseja desfrutar as suas férias em sossego, recatadamente; já o seu amigo Mick Boyle (Harvey Keitel) procura ação e esforça-se por concluir o seu último filme – para ele, talvez o mais importante. Durante a estadia, Fred e Mick visitam o médico, observam os outros hóspedes, espiam, deleitam-se com o que veem, mas sobretudo conversam. As suas “pequenas conversas” giram à volta dos filhos, da saúde e do passado, mas principalmente em torno da falência da memória e do corpo. Ao longo do filme assistimos à confrontação entre o novo e o velho, o passado e o futuro, a vida e a morte. Este confronto surge não só nos diálogos, ora cómicos, ora nostálgicos, como também nos quadros apresentados por Paolo Sorrentino, nos quais corpos feitos estátuas espelham as diferentes idades do ser humano, anunciam a sua finitude.

Não é a primeira vez que o realizador italiano cruza temas como a solidão, a morte ou a memória com um verdadeiro festim visual. Os admiráveis movimentos de câmara, a intensidade e beleza dos planos que cria eram já marcas em «Este É o Meu Lugar» (2011) e sobretudo em «A Grande Beleza» (2013), obras em que Sorrentino pôde contar com a parceria do seu habitual diretor de fotografia, Luca Bigazzi. Um outro trunfo de «A Juventude» é a atuação dos veteranos Michael Caine e Harvey Keitel, que através de um testemunho sincero nos cativam e transportam para a intimidade da sua relação e para a interioridade de cada um. Mesmo que objetivamente não sejamos octogenários, a sinceridade da interpretação dos atores aproxima-nos dos medos, desesperanças e do peculiar sentido de humor destas personagens. Mas um outro ponto tem de ser referido para que esta abordagem de temas passe de mera repetição a marca de autor: o trabalho sobre a música. A banda sonora, da autoria de David Lang («A Grande Beleza») não é um mero acompanhamento, mas estabelece um diálogo com a imagem que contribui para um sentimento de completude que eleva o trivial a poesia. Por outro lado, também ao nível da narrativa, a música é essencial para Fred Ballinger, que apesar de estar reformado não consegue viver sem a sua companhia.

Ao contrário do que acontece em «A Grande Beleza», o cenário de «A Juventude» é calmo e relaxante. O filme passa-se entre saunas, salas de massagens e a paisagem idílica dos Alpes. Porém, existem elementos perturbadores que vão quebrar a ordem e a paz, como por exemplo as personagens Jimmy Tree (Paul Dano) e Brenda Morel (Jane Fonda); esta última, embora tenha uma pequena aparição no filme, revela-se ruidosa. Brenda, a musa de Mick, traz o ruído e a crítica ao filme: uma visão crua e “desmaquilhada” do mundo cinematográfico. Existem outras personagens, que embora se encaixem de certa forma na harmonia alpina, causam estranheza e criam interrogações, como a do futebolista, da miss, ou do monge budista.

Apesar de não exibir a mesma espetacularidade que o seu precedente, «A Juventude» – que está nomeado para cinco categorias dos European Films Awards –, envolve-nos e joga com as nossas emoções e sentidos. Os diálogos, onde se cruzam devaneios de velhos, arrependimentos, frustrações de artista e nostalgia, fazem-nos porém querer ficar presos por vontade. A beleza e a poesia criada por Sorrentino é esplêndida e irresistível.

Título original: Youth Realização: Paolo Sorrentino Elenco: Michael Caine, Harvey Keitel, Rachel Weisz, Jane Fonda, Paul Dano Duração: 124 min. Itália/França/EUA/Reino Unido/Suiça, 2015

[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº33, Setembro 2015]

https://www.youtube.com/watch?v=RxwqrRmRbYk
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