Quando eu era criança julgava que a infância era um país. Assim como a França. Se alguém dizia “na França” ou “na infância”, para mim era a mesma coisa: um lugar longínquo. Convencer-me do contrário revelou-se uma tarefa árdua e, por fim, inútil. Só muito gradualmente, à medida que ia crescendo, me fui afastando dessa concepção material e territorial do conceito para me aproximar da definição abstracta – menos interessante, despida de mistério.

Em «Corações de Pedra», a primeira longa-metragem de Guðmundur Arnar Guðmundsson, o realizador leva-nos até uma pequena vila costeira na Islândia, um lugarejo onde se combinam as coordenadas da memória e da ficção. Inspirado em acontecimentos e vivências pessoais que marcaram a sua infância, Guðmundsson apresenta-nos dois amigos, Thor (Baldur Einarsson) e Kristjan (Blaer Hinriksson), enquanto estes tentam enganar o tédio que preenche as intermináveis de férias de Verão.

Retomando um pouco o trabalho que já havia conduzido nas duas curtas-metragens «Whale Valley» (2013) e «Ártún» (2014), onde os protagonistas são também crianças e jovens do interior rural da Islândia, em «Corações de Pedra» vai-se mais longe na tentativa de mostrar o torvelinho da entrada na adolescência. A partida do país da infância à descoberta de uma identidade própria. Contudo, a multiplicação de conflitos, sobretudo no seio familiar (pais bêbados, violentos ou simplesmente ausentes; mães fracas e desequilibradas) mas também entre gerações (o bully ruivo) acaba por comprometer um pouco o ritmo da narrativa.

Por outro lado, a fotografia, de Sturla Brandth Grøvlen – «Victoria» (2015) e «Carneiros» (2015) –, é prodigiosa. E não só nos momentos em que nos dá a ver a arrebatadora paisagem natural da Islândia. Também nos momentos mas íntimos e dramáticos, onde a câmara se fecha sobre um grande plano, também aí temos a marca da sua mestria. Vale por isso a pena espreitar «Corações de Pedra».

Título Original: Hjartasteinn Realização: Guðmundur Arnar Guðmundsson Elenco: Baldur Einarsson, Blær Hinriksson, Diljá Valsdóttir
Duração: 129 min. Islândia/Dinamarca, 2016

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