Como abordar o biopic na era dos biopics? Não sabemos se a premência desta pergunta esteve por trás de «Better Man», mas a julgar pela originalidade (conseguida) da sua proposta acreditamos que sim – no mínimo, foi decisiva para os resultados. Referimo-nos, evidentemente, ao semblante sui generis da sua personagem principal: em vez de um ator a fazer de Robbie Williams, eis que um macaco (quais “milagres” do CGI) se apresenta como rosto e corpo desta viagem biográfica. Um corpo inquieto, por sinal, que transporta em si a semente pura do entertainment, ou não fosse essa a palavra de ordem num filme que aposta na magia possível, mas também no desencanto próprio da vida, para se entregar a uma ideia de musical.
E é aí que entra o cineasta Michael Gracey, cujo anterior «O Grande Showman» (2017), protagonizado por Hugh Jackman, convenhamos, não deixava antever o rasgo de «Better Man», apesar de todo o aparato e sentido óbvio de espetáculo já presente. O que separa um filme do outro é mesmo a estranha e improvável honestidade que o último permite, quando «O Grande Showman» era sobretudo artifício colorido. A saber, «Better Man» assume algo muito específico da persona de Robbie Williams: sim, estamos perante o aspeto físico de um macaco, mas toda a sua expressividade remete para a energia humana e desfaçatez do cantor britânico, aqui retratado desde a infância até ao período em que a fama, depois das tormentas e mega sucessos, lhe trouxe a bonança.
Sem reinventar a fórmula biográfica, Gracey consegue, ainda assim, assegurar uma verdade emocional e fluidez narrativa surpreendentes – é ver a cena, do capítulo da infância, em que o pai polícia do pequeno Robbie começa a cantar My Way em frente ao televisor onde se vislumbra Frank Sinatra, criando um momentum ao lado do filho que funciona como memória subterrânea numa história, de resto, marcada pelos altos e baixos de qualquer carreira; que neste caso não se parecem com “qualquer coisa”, porque têm num macaco um desafiante ajuste de perceção.
No fim de contas, «Better Man» vinga por conseguir fazer de um boneco digital uma matéria bizarramente genuína, a que os números musicais – alguns deslumbrantes e irresistíveis – acrescentam a vibração necessária para evitar os excessos “explicativos” em que caem muitos biopics, sem por isso trazerem complexidade ao retrato… Let Me Entertain You, diz a canção de Williams, e é esse o convite justo; sendo “entreter” um verbo tantas vezes dado a equívocos, que aqui se revela de espírito intacto. Honra seja feita à superstar da pop britânica.
Título original: Better Man Realização: Michael Gracey Elenco: Robbie Williams (voz), Jonno Davies, Steve Pemberton Duração: 134 min. Estados Unidos, Reino Unido, China, França, Austrália, 2024