Lily Collins é Ellen uma rapariga de 20 anos, desenhadora, que sofre de distúrbios alimentares e segue de internamento em internamento. Com uma família fraturada, vive com a madrasta e um pai ausente, e uma meia-irmã que simplesmente não entende porque é que a irmã mais velha não come. A mãe biológica abandonou-a aos 13 para viver com outra mulher e recentemente mudou-se para outra cidade para fazerem crescer o seu projeto de turismo e terapia com cavalos. Num contexto familiar e social em que todos parecem abstrair-se de lhe dar afeto e segurança, Ellen tenta controlar a única coisa que consegue: aquilo que entra e sai do seu corpo. Um dia, a sua madrasta Susan (Carrie Preston) consegue uma vaga no programa de tratamento pouco convencional do Dr. Beckham (Keanu Reeves) e tudo pode mudar.
O argumento de Marti Noxon, igualmente responsável pela realização de «Até aos Ossos», parece que a qualquer momento vai cair no cliché e no redundante, mas a verdade é que tendo a própria sido uma adolescente com distúrbios alimentares, e tendo selecionado uma protagonista que padeceu da mesma doença quando era mais nova, «Até aos Ossos» atreve-se a fazer outro caminho.
Apesar de esta ser a sua primeira longa-metragem na cadeira de realizadora, pois até agora apenas se dedicou à direção de episódios de séries e à produção de diversos filmes e séries, como «Clínica Privada», «Anatomia de Grey», «Prison Break» ou «Buffy, Caçadora de Vampiros», a sua experiência real dá-lhe outra perspetiva sobre um tema tabu que continua a afligir milhares de pessoas por todo o mundo. Com uma filmagem simples e direta, mais direcionada para adolescentes, a sua leveza e até alguns comic reliefs fazem-nos focar na personagem principal pois é com ela e através dela que deambulamos por este universo de jovens que recusam a ingestão de alimentos e que tentam todos os meios para gastar as (poucas) calorias que restaram. Padecem de uma doença que destorce a realidade e que lhes dá um objetivo: descer ao mais baixo peso que conseguirem; uma obsessão que não lhes permite sequer antever que a meta pode ser o seu fim, literalmente.
A excelente personificação (emocional e física) de Lily Collins e o facto de o filme mostrar muitos dos comportamentos reais de jovens com distúrbios alimentares podem resultar num caminho novo para o público mais juvenil. Keanu Reeves, no entanto, não consegue desapegar-se da postura mais bruta que tem assumido nas personagens mais recentes e acaba por não conseguir criar o elo e empatia necessários ao papel do médico pouco convencional.
«Até aos Ossos» entra de forma acutilante na mente de pessoas com anorexia e muitos dos comportamentos destes jovens poderão fazer confusão a quem nunca se cruzou com a doença. O filme criou alguma polémica aquando da saída do trailer e a verdade é que poderá criar mais, mas quer a protagonista, quer a realizadora estão a oferecer uma perspetiva que já viveram e que certamente respeitam. Talvez o argumento não ofereça muitas saídas, talvez se cinja a um único caminho, mas é o seu.
Nesta doença não existem métodos ou soluções milagrosas. Por vezes, o objetivo é só encontrar a coragem de querer viver, sabendo que nada será perfeito e nunca será possível controlar o que quer que seja, mas que existe o direito à escolha. A escolha de enfrentar o carrossel e reconhecer que é nos altos e nos baixos que está o privilégio da viagem. Reconhecer que o amor será sempre o elemento de cura e que começa em cada um e só depois passa para os outros. Saber que o corpo será sempre o templo maior, que exige respeito e cuidado, e que nenhum outro se assemelha ou é comparável.
Título original: To the Bone Realização: Marti Noxon Elenco: Keanu Reeves, Rebekah Kennedy, Lily Collins, Dana L. Wilson Duração: 107 min. EUA, 2017
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº52, Agosto 2017]
https://www.youtube.com/watch?v=705yRfs6Dbs