Medido pelinho por pelinho, o bigodão à moda Nietzsche do Dr. Ivo Robotnik e o mustache do bombeiro hidráulico Mario (das consolas da Nintendo) rivalizam em volume e comprimento. A essencial diferença é que um cobre uma boca talhada para o Mal e o outro protege os lábios em prol da justiça, embora gordurosos de tanto se empanturrar de macarrão. Para o cinema, em igual medida, essa dupla é lucrativa. A animação «Super Mario Bros.» faturou US$ 1,3 biliões em 2023, em meses pré-Barbie. Já os três filmes da franquia “Sonic”, nos quais Robotnik ameaçou o equilíbrio da Terra – e, à boleia, garantiu a Jim Carrey um de seus mais hilariantes personagens – tornaram-se, dos mais rentáveis, blockbusters. Em 2020, o primeiro rendeu US$ 319,7 milhões em plena pandemia. O segundo, lançado dois anos depois, teve uma facturação de US$ 405,4 milhões. O terceiro está entre nós desde o Natal de 2025 e fez uma limpeza nos bolsos das plateias, amealhando uma fortuna (US$ 386,9 milhões em cerca de três semanas). É a prova de que o inventor desmiolado de Carrey agrada… e quase tanto quanto seu algoz, o ouriço azul mais rápido do universo.
Coube ao realizador Jeff Fowler pilotar essa trilogia inspirada pelo espinhoso herói criado no Japão em 1990, por Naoto Ohshima e Yuji Naka, para o estúdio de jogos eletrónicos Sega. O cineasta teve um orçamento de US$ 122 milhões para gastar na Parte III, e ela é bem mais exuberante do que as anteriores no argumento (de diálogos preciosos) e na montagem. A edição garante a Carrey uma apoteose. O corte que nos chega tem adrenalina aos litros, mas nos afoga em tiradas divertidas.
Atropelado por problemas pessoais que diminuíram o seu interesse em filmar, com exceção do seriado «Kidding» (2018-2020) de Michel Gondry, Carrey cansou-se da dinâmica dos gags físicos (e das caretas) que o consagraram lá pelos idos de «Ace Ventura» (1994) e «A Máscara» (1995). Ganhou Globos de Ouro no trajeto (com destaque para a obra-prima «The Truman Show»), como atestado do seu gigantesco talento. Só não se conseguiu afastar do estigma do riso desleixado. Embora andasse reticente com Hollywood, ele acabou seduzido pelas potencialidades que o Dr. Robotnik oferecia no primeiro “Sonic”, com a possibilidade de renovar o seu público no contato direto com a cinefilia de dentes de leite. A chance de esculpir um adorável arruaceiro tornou-se uma tentação e ele abraçou o papel. Desta vez, ele desdobra-se, interpretando ainda o desaparecido avô do cientista, o Professor Gerald. A sequência em que o avô e o querido neto ampliam o seu afeto, com direito a uma fantasia de Pai Natal, é simplesmente hilariante.
Essa dobradinha de Robotniks, um velho e um mais novo, vai infernizar a vida de Sonic, quando o herói (com a voz de Ben Schwartz) e os seus parceiros, Knuckles e Tails, precisam debelar uma criatura chamada Shadow. Esse ser sombrio, interpretado por Keanu Reeves, ameaça o balanço do cosmos, numa cruzada de vingança. As joias do poder que asseguram ao hedgehog e aos seus camaradas a habilidade de saltar no espaço, entre dimensões, terão de ser usadas – e muito bem – em circunstância de perigo extremo, nas quais Fowler nos deleita com uma direção de arte das mais dionisíacas.
Detalhe: não saia do cinema qual The Flash, pois há sequências pós-créditos que apontam para um provável (e bem-vindo) quarto “Sonic”.
Título original: Sonic the Hedgehog 3 Realização: Jeff Fowler Elenco: Jim Carrey, Ben Schwartz (voz), Keanu Reeves (voz), Idris Elba (voz), James Marsden, Colleen O’Shaughnessey (voz) Duração: 110 min. EUA, 2024
[Crítica originalmente publicada a 27 de Janeiro de 2025]