Uma Separação

UMA SEPARAÇÃO

UMA SEPARAÇÃO

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº0, Julho 2012]

Foi um dos momentos altos do cinema no último ano: um desconcertante drama familiar carregado de enigmas graças a uma perspicaz realização do iraniano Asghar Farhadi. O seu realismo é um factor incontornável e uma janela para a espiral sentimental que terminará numa notável sequência. A câmara lê os pensamentos dos actores, o equilíbrio entre os diálogos e as pausas são momentos de pura introspecção e os ângulos protegem um enredo que se demarca do óbvio e dos destinos traçados.

A trama do retrato de uma família em processo de desfragmentação desenrola-se em Teerão. Simin (Leila Hatami) deseja emigrar e encontrar um melhor futuro para a sua filha, mas Nader (Peyman Moadi), o marido, prefere ficar agarrado ao passado através da insistência em cuidar do pai, que sofre de Alzheimer. Neste pano de fundo surge um confronto que resulta dos meandros das palavras e dos desentendimentos despoletados entre Nader e Razieh (Sareh Bayat), a sua empregada doméstica, que trabalha para minimizar o impacto de ter o marido desempregado (Shahab Hosseini). Este é o despertar do contraponto entre o secularismo e a profunda devoção religiosa, que assumem um segundo plano quando no centro da disputa está a condição social, o medo, a mentira e a manipulação como uma tábua de salvação para os problemas de fundo no seio destes casais.

Neste filme superlativo o trabalho dos actores é soberbo e as suas qualidades fazem-nos esquecer que estamos a ver uma ficção, tal é o realismo arrepiante. Além de estabelecer um drama adulto, o autor compõe a intriga com personagens fulcrais que funcionam como observadores e não são de todo invisíveis, mas têm o simbolismo de representar um passado debilitado e um futuro que acredita na esperança e deseja estar imune à mentira, este através da filha do casal de melhor condição social. Uma Separação tem claramente um apelo global pois apresenta sentimentos que se elevam em qualquer sociedade moderna, o que se traduziu no Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim, o Globo de Ouro e finalmente o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, atribuído já este ano.

Título original: Jodaeiye Nader az Simin Realização: Asghar Farhadi Elenco: Payman Maadi, Leila Hatami, Sareh Bayat Duração: 123 min. Irão/França/Austrália, 2011