O realizador francês Alexandre Aja fez um dos grandes filmes de terror da primeira década do século XXI, estamos a falar da produção francesa «Alta Tensão», em 2003, uma obra alucinante. Mais tarde fez a transição para os Estados Unidos com um extraordinário remake do clássico «The Hills Have Eyes» de Wes Craven (em Portugal «Terror nas Montanhas»).
Em «Amarrados», Alexandre Aja volta ao seu melhor numa fábula de terror cerebral que combina o medo com a tensão psicológica. A obra é uma trip atmosférica onde a floresta, em pano de fundo, se torna uma fonte de sobrevivência, mas também um local de morte, se não forem respeitadas certas regras…
Uma mãe (Halle Berry) vive com os seus dois filhos numa casa encantada no meio da floresta – o filme tem esse elemento de fábula clássica. A casa de madeira protege-os dos espíritos demoníacos, alguns deles são os antepassados que habitaram ali, eles rondam no intuito de levarem consigo os seus residentes. No exterior, a mãe e os seus filhos só podem sair incólumes do mal se amararem uma longa corda ao corpo que os conecta à casa e os protege de todos os espíritos maliciosos. A corda permite que eles possam ser caçadores/recolectores quando andam na floresta, quebrar esse elo (leia-se, cortar a corda) é um convite para serem possuídos. Segundo a mãe, o isolamento é obrigatório para a sobrevivência. As peças do seu passado vão sendo apresentadas ao longo da história. Mas a dúvida começa a aparecer entre os filhos e os espectadores. O filme alimenta habilmente essa incerteza: será que os monstros são uma invenção da mente desesperada da mãe ou o terror será real? Será que a escassez de alimentos e o final das suas reservas alimentares a levaram à paranoia? A narrativa é muito ardilosa.
Halle Berry está magnífica, num dos grandes papéis da sua carreira. É uma interpretação visceral de uma mãe que vive para proteger os seus filhos ao mesmo tempo que sabe que o mal anda à espreita. A atriz transmite essa força de (sobre)viver para o ecrã ao mesmo tempo que também incute esse espírito do que é real e imaginário. Ao seu lado teve dois jovens atores (Anthony B. Jenkins e Percy Daggs IV) que estão muito bem nos seus papéis. A fome, o desespero e os desígnios do mal alimentam-se da sua ansiedade e provocam a cisão entre os irmãos que poderá fazer implodir a família e a sua resistência face aos espíritos malignos.
Os valores de produção são imaculados. Durante 100 minutos estamos completamente noutra realidade graças ao dedicado trabalho de design de produção de Jeremy Stanbridge, a cenografia de Eli Best, a direção de fotografia de Maxime Alexandre, os adereços de Victoria Pearson e o figurino rústico e intemporal de Carla Hetland, são tudo elementos imersivos para a recriação do espaço e da atmosfera fantástica desta obra. É um daqueles casos onde toda a produção – artistas e técnicos – se uniu para criar uma experiência arrepiante para os espectadores.
«Amarrados» consegue ser duplamente um bom drama e um bom filme de terror, com a presença inspirada de Halle Berry e uma grande realização de Alexandre Aja.
Título original: Never Let Go Realização: Alexandre Aja Elenco: Halle Berry, Anthony B. Jenkins, William Catlett Duração: 101 min. Estados Unidos, 2024