Nomeação portuguesa para o Óscar de Melhor Filme Internacional em 2023, «Alma Viva», primeira longa-metragem de Cristèle Alves Meira, parece ser um caso, mais ou menos raro, em que a academia, a crítica e o público estão de acordo quanto à qualidade da obra. A sessão a que assisti durante a XXVIII edição do Festival dos Caminhos do Cinema Português, em Coimbra, foi demonstrativa disso mesmo. Além dos vários prémios (entre eles, Melhor Realização e Melhor Argumento Original) destaca-se o entusiasmo do público, as reacções síncronas dos expectadores que evidenciam a força de uma espécie de contrato não escrito a que estamos todos vinculados: ser português.
Feita de memórias, crenças e tradições, a alma lusitana vive tanto das misteriosas orações a São Jorge como do trânsito infernal de Mercedes e BMWs por alturas do Verão entre ruelas de terra batida. Não é preciso ser-se emigrante – como a realizadora, luso-francesa –, ou sequer ter alguma vez morado numa aldeola para sentir que esta história também é nossa. O filme tem esse mérito, assente, é claro, nas interpretações incríveis do elenco composto sobretudo por actores não profissionais. Ester Catalão, a avó “bruxa”, e a jovem protagonista, Lua Michel, na pele de Salomé. Unidas por mais do que laços de sangue, estas duas criaturas partilham uma visão afectiva e mística da realidade que nem a morte pode abalar.
Com uma ternura franca, um pouco bruta, «Alma Viva» oferece-nos o olhar peculiar de uma criança sobre o quotidiano, os boatos, as velhas querelas entre vizinhos, as vaidades e o ressentimento familiar. Filmado em casa da falecida avó da realizadora, em Junqueira, concelho de Vimioso, onde Cristèle passou muitos Verões da sua infância, o filme está, contudo, longe de ser um registo autobiográfico. É antes uma homenagem às mulheres que marcaram a sua vida e que são exemplo de uma cultura e identidade complexa, contraditória, que é preciso estimar e questionar.
Título Original: Alma Viva Realização: Cristèle Alves Meira Elenco: Lua Michel, Ana Padrão, Ester Catalão
Duração: 85 min. Portugal, 2022