Inserindo-se na boa tradição do policial francês, «A Noite do Dia 12» não será propriamente o filme que os amantes do policial esperam. Mais ou menos da mesma forma que «Maigret e a Rapariga Morta», de Patrice Leconte, estreado no início deste ano, não era uma exploração vigorosa ou moderna da personagem criada por Georges Simenon – pelo contrário, o Maigret de Gérard Depardieu é todo ele classicismo e introspeção. Porquê este exemplo comparativo? Porque estamos em território maduro: tanto Leconte como Dominik Moll, o realizador de «A Noite do Dia 12», abordam a ação do(s) detetive(s) pelo impacto psicológico dos casos que têm em mãos. Independentemente da capacidade humana de os resolver, é a angústia e os fantasmas do processo que definem o sentido da história, muito mais do que os resultados.
Daí que este grande vencedor dos prémios César seja sobretudo um drama adulto a mover-se dentro das regras do policial. Partindo do livro de reportagem 18.3: Une Année à la PJ, de Pauline Guéna, um estudo aprofundado sobre a Polícia Judiciária francesa, Dominik Moll isolou o caso de uma jovem assassinada numa noite de 2016. É, aliás, pela recriação desse momento que o filme começa, com base nas provas e nos testemunhos: vemos a jovem, Clara, de saída da casa da sua melhor amiga, a fazer um vídeo carinhoso para essa amiga, enquanto ainda caminha na rua, sendo interrompida poucos segundos depois de enviar a derradeira mensagem… No dia seguinte, entra em ação uma equipa liderada por um polícia debutante no cargo de chefia (Bastien Bouillon), este acompanhado por um colega experiente (Bouli Lanners), a evidenciar os primeiros sinais de cansaço num universo laboral cada vez mais tóxico.
A dupla, triste e admirável, Bastien Bouillon e Bouli Lanners torna-se assim a lente humana dentro de uma rotina de investigação que desanima qualquer um – não há aqui lampejos de genialidade nem fantasia sherlockiana. E é por aí que «A Noite do Dia 12» se distingue, pela linha sóbria do retrato, pela melancolia que se abate sobre os protagonistas e pelo modo como eles acabam por ser a versão pulsante de uma experiência “arquivada”. O convívio com os mistérios mais sombrios da realidade dá-lhes uma nobreza mundana, em tudo mais próxima das dores da realidade comum do que do heroísmo profissional. Que um thriller consiga contornar a imposta lógica “viciante” da investigação de um homicídio não é coisa pouca.
Título original: La Nuit du 12 Realização: Dominik Moll Elenco: Bastien Bouillon, Bouli Lanners, Lula Cotton-Frapier Duração: 115 min. França, Bélgica, 2022
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº100, Dezembro 2023]
https://www.youtube.com/watch?v=cKjno0BX3S0&t=10s