Claramente ao rever «Falcon Lake», a intriga e as suas pressuposições adquirirão outro significado, mas a primeira viagem pela longa-metragem de estreia de Charlotte Le Bon é figurativamente equivalente à primeira viagem pela nossa descoberta emocional e sexual.
Apresentado em Cannes, mais precisamente na Quinzena de Realizadores da edição de 2022, “Falcon Lake” leva-nos ao homónimo lago canadiano, em época estival de uma família ao encontro de um casal amigo, longe dos olhares dos adultos embarcados em jogos sociais e provas de vinhos deparamos com um pré-adolescente, que nas “artimanhas” de uma (assumida) adolescente, vai-se despertando para uma outra percepção para com o mundo – o fim da inocência, o início da adolescência. Por entre jogos sexuais e outros de cariz mutilador (o filme reage ao ‘suposto’ romance numa posição mórbida e silenciosamente sanguinária), a delicadeza de Le Bon em construir uma linguagem de corpos como interação carnal, respeitosa e, convém afirmar, nada de preocupantemente explícito ou lascivo, deixando a sugestão como elemento erotizado, convertendo esta obra numa espécie “madalena” proustiana universal (são poucos aqueles que não experienciaram as suas primárias demandas sexuais com cautela e magnetismo ao desconhecido). «Falcon Lake» é concebido nessa condição, a dos “verdes anos”, sem condescendências nem “ping pongs” perspetivos, onde os adultos tornam-se irrelevantes, sendo que aquele território é (agora) dominado pelos jovens hormonizados, secundarizando os seus tutores a forças ora ambíguas, ora antagônicas. E tal ‘guia turístico’ não funcionaria se o par não fosse convincente; ele (Joseph Engel, pequeno ator requisitado por Louis Garrel nas várias suas aventuras pela realização) incorpora o autodestrutivo ser corrompido pela experiência, batalhando entre a infância a fragmentar-se e a adolescência no virar da esquina, enquanto ela (Sara Montpetit), a vivaça, a sedutora emocionalmente quebrada, de ambições estagnadas numa lagoa assombrada, confronta com as suas decisões e a suas indecifráveis vontades. Uma dupla que nos convida ao visitar seu íntimo, aos apalpões nas suas “primeiras vezes”, ignorando destinos fatídicos e supostos fantasmas que povoam o nenhures canadiano. Porém, a viagem é ela mesma corrompida, «Falcon Lake» deseja a sugestão como ninguém e nisso quebra a narrativa numa encruzilhada quase shyamaliana, depois disso o filme ganha um outro significado, uma outra visão, um outro efeito, o que nos leva ao grande dilema da nossa modernidade enquanto espectador – continuidade? Fortalecer ou enfraquecer?
Título original: Falcon Lake Realização: Charlotte Le Bom Elenco: Joseph Engel, Sara Montpetit, Monia Chokri Duração: 100 min. França/Canadá, 2022
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº98, Setembro 2023]
https://www.youtube.com/watch?v=QuL-6qiRDn4