Daqui a sete dias, Pedro Pinho desbrava a concorrência na mostra Un Certain Regard de Cannes com «O Riso e a Faca», um experimento que pode colocar Portugal e o Brasil em evidência numa das seções mais disputadas entre as montras paralelas na luta pela Palma de Ouro. A projeção será no próximo sábado. Até lá, o anterior sucesso do cineasta, «A Fábrica de Nada» (2017), alcança um novo clube de fãs nas telas sul-americanas ao ganhar a vitrine da Reserva Imovision, o streaming montado pelo distribuidor francês Jean Thomas Bernardini para fomentar o apreço latino pelo cinema autoral de risco. A busca pelo filme aumenta agora.

O Riso e a Faca


Ativista da causa da perplexidade, ciente de nossa orfandade em relação à falência dos meta discursos políticos que outrora explicavam e confortavam o mundo (o marxismo, o anarquismo, e até o socialismo cristão), «A Fábrica de Nada» costura números musicais com trechos documentais e situações cómicas quase caricatas com dramas realistas. Essa mistura feita pelo lisboeta Pedro Pinho (de «As Cidades e as Trocas») é das mais radicais – e, ao mesmo tempo, das mais harmónicas – que o cinema contemporâneo já viu. Daí a conquista do Prémio da Crítica dado pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci), durante a Quinzena dos Realizadores de Cannes, há quatro anos. Tudo neste filmaço português é registado numa fotografia esmaecida, na qual a câmara de Vasco Viana rejeita excessos de cor e luz. Tudo está esgotado, como o mundo. Existe um mote: a demolição da lógica fabril herdada dos 1800 e, até hoje, vigente, como um zombie da História. Existe uma trama: um grupo de operários se encrespa com a administração de uma indústria de elevadores, ao apanhar em flagrante a gerência a roubar as máquinas e as matérias-primas, e fazem um levantamento que tem um ónus – todos serão obrigados a permanecer nos seus postos, no ócio, até as negociações para demissão coletiva estarem concluídas. Existe uma vivência: explicitado esse enredo, as tensões geram invenções, desde coreografias dos trabalhadores até digressões de teóricos. E, a um dado momento, brota uma frase romântica – “O filho da p… do amor, se for mesmo amor, é incondicional” – provando estarmos diante de um olhar terno sobre pessoas, e não de uma tese sociológica. E a montagem primorosa galvaniza a poética de alarmismo de Pinho.

Em «O Riso e Faca», Pedro Pinho acompanha o engenheiro ambiental Sérgio, português que viaja para uma metrópole na África Ocidental onde vai trabalhar num projeto rodoviário entre o deserto e a selva. Lá, ele desenvolve um relacionamento íntimo com dois moradores da cidade, Diára e Gui. No trio de protagonistas, está o brasileiro Jonathan Guilherme, ex-atleta de vólei que trocou as quadras pela arte e hoje é poeta em Barcelona, onde ele vive.

Guilherme dá vida ao personagem Gui e contracena com a cabo-verdiana Cleo Diára, de «Diamantino» (2018), e o português Sérgio Coragem, conhecido pelos seus papéis em «Verão Danado» (2017) e «Fogo-Fátuo» (2022).

Foto: © Uma Pedra no sapato

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