Rodrigo Fonseca no Festival de Cinema de San Sebastián
Tradicionalmente recatado e exigente, a ala de críticos que frequenta o Festival de San Sebastián raramente ovaciona algum filme em concurso, mesmo quando o evento exibe filmes mundialmente aclamados, como foi o caso de «Nomadland», em 2020, ou de «Mais uma Rodada», também do ano passado. Mas, em 2021, a Argentina mexeu com o coração – e com os pleitos reformistas da Europa – já no segundo dia do evento, arrancando aplausos dignos de hola para «Camila Saldrá Esta Noche», de Inés Barrionuevo. A diretora de «Julia y el Zorro» (2018) comoveu plateias com uma espécie de «Os 400 Golpes» feminino, seguindo os passos da educação sentimental de uma adolescente, vivida por Nina Dziembtowski, às voltas com uma série de lutas de afirmação. A delicada direção de fotografia de Constanza Sandoval é um dos aspectos mais singulares – e mais aclamados – do filme, que evita saturações, apostando em tons mais cinzentos de cor. É como se encontra a vida de sua protagonista, Camila, vivida por Nina, ao chegar em Buenos Aires, egressa de Mar Del Plata. Ela já não tem diálogo aberto com a mãe, impacienta-se com a postura burguesa de parte de seus colegas de classe e está sendo bombardeada por hormônios. Mas o que mais incomoda a menina é a inércia moral à sua volta.
No roteiro de Inés e Andres Aloi, Camila chega à capital no momento em que as argentinas lutam pela descriminalização do aborto. Avessa a rótulos, capaz de amar meninas e meninos, a heroína deste painel de descobertas emotivas vai aprender o quanto é custoso defender as suas ideias num continente ainda assolado pelo machismo. Mas a retidão da personagem transformou-a em um objeto de admiração entre as representações da condição humana feitas pelos filmes de San Sebastián até agora. Inés veio à cidade brigar pela Concha de Ouro e causou a melhor das impressões em sua passagem pela competição.
Também houve aplausos para as estéticas argentinas na mostra Horizontes Latinos, que foi aberta na sexta por «Jesús López», do diretor Maximiliano Schonfeld. Trata-se de um “filme de fantasma”. O personagem do título nunca é visto, mas sua presença é sentida como uma assombração, mexendo com a paz dos moradores de uma cidadezinha, abalada com sua morte.
Na semana que vem, San Sebastán terá um horário vazio na sua grelha, a ser ocupado por um filme surpresa. Estima-se que será «Sempre Em Frente» (“C’mon C’Mon”), do diretor Mike Mills (de «Assim é o Amor» e «Mulheres do Século XX»), apoiado no talento de Joaquin Phoenix, no seu primeiro trabalho após o fenómeno «Joker» (2019). No filme de Mills, Phoenix interpreta um jornalista que precisa cuidar do seu jovem sobrinho enquanto embarca numa viagem pelos Estados Unidos, com o objetivo de entrevistar crianças sobre o que elas pensam acerca do futuro.
San Sebastián chega ao fim no dia 25, com a entrega de prémios.
Festival de Cinema de San Sebastián – Dia 0
Festival de Cinema de San Sebastián – Dia 1