A eterna guerra da indústria
Imagine-se a hipótese absurda de Martin Scorsese vir a realizar uma longa-metragem sobre a marca de bebida Kool-Aid e a sua mascote, ou o stress do desaparecimento de um rolo de película correspondente ao dia mais trabalhoso de uma rodagem de Olivia Wilde, ou então o pânico de um produtor encarregado de dizer a Ron Howard – figura simpatiquíssima de Hollywood – que é preciso cortar uma parte incrivelmente má do seu filme finalizado. Tudo isto, e mais alguma coisa, é matéria humorística em «The Studio», a série cocriada, corealizada e protagonizada por Seth Rogen, que aterra na Apple TV+ como um meteorito de piadas internas da indústria do cinema americano, pronta a escrutinar o debate intemporal entre a arte e o negócio… nos tempos modernos.
Aqui e ali, encontram-se algumas semelhanças com a lógica ficcional da comédia da Max «The Franchise», mas há uma grande diferença na prática: onde esse passeio agitado pelas produções de super-heróis se dispersava no assunto, «The Studio» ganha foco. É uma série que sabe exatamente como construir episódios coesos e eficazes no ponto a que quer chegar, gerando assim exemplos revigorantes da loucura de se fazer cinema em tempos de sensibilidade extrema, e de públicos divididos pelas guerras culturais.

Seth Rogen surge então na pele de Matt Remick, um novo executivo da Continental Studios cuja missão, avisa o chefe, é fazer “movies” em vez de “films”. Um problema à vista (ou não, dependendo da perspetiva), já que Matt gosta mesmo de cinema, e não está disposto a abdicar da sua paixão para gerir friamente um “negócio”… Enfim, cada episódio andará à volta do desafio que é tentar conciliar visões de equipa com egos, impulsos comerciais e problemas de bastidores, sem esquecer a dificuldade de transmitir aos outros a importância cultural do cinema. Esse estigma fica bem explícito num ótimo sexto episódio (de um total de dez), onde uma médica de oncologia pediátrica, que está a começar um caso amoroso com Matt, se indigna profundamente com a sugestão de que o trabalho dele pode ter alguma equivalência ao seu.
Sempre nesta dança parodiada entre o autoral e o popular, com o evidente propósito de mostrar que a indústria cinematográfica comporta ambas as coisas no seu coração, «The Studio» consegue passar a ideia com bom ritmo, muito slapstick e diálogos calibrados. Uma fórmula, dir-se-ia, fortalecida pelo uso constante de planos-sequência que – desconfia-se logo no início – homenageiam aquele antológico de «Tudo Bons Rapazes»; e basta chegar ao fim desse primeiro episódio para confirmar o objeto de adoração…Ora bem, é um prazer brincar ao cinema com Seth Rogen.