Tenéis que Venir a Verla

TÊM DE VIR VÊ-LA

TÊM DE VIR VÊ-LA

É curioso que uma das frases que melhor descreve a mais recente obra de Jonás Trueba, um dos destaques do IndieLisboa 2023, se encontre no próprio cinema. “É engraçado como as cores do mundo real só parecem realmente reais quando vistas no ecrã” [tradução livre, Laranja Mecânica (1971)]. Perante uma história aparentemente simples, composta por um argumento direto e descomplexado, somos transportados, enquanto audiência, para uma nova experiência do real.

A própria génese da narrativa é interessante: testemunhamos o final de um concerto, mas vemos a plateia, indivíduos isolados, antes de encontrarmos o artista. Ouvimos a música e imaginamos como a sentem, embora tampouco saibamos se são personagens ou meros figurantes (a não ser que conheçamos bem o elenco, naturalmente). O jogo termina com o posicionamento dos visados e o confronto do espectador acerca daquilo que pensou/esperou.
A realização Jonás Trueba é muito ativa, o que é ainda mais evidente na despedida, intrometendo-se na privacidade de um grupo de amigos, num reencontro após a pior fase da pandemia. Elena (Itsaso Arana), Daniel (Vito Sanz), Guillermo (Francesco Carril) e Susana (Irene Escolar) não estavam juntos desde o início da crise da Covid-19 e, além das conversas cliché, há atualizações importantes a fazer, nomeadamente relativamente à vida longe de Madrid.
São muitas as localidades periféricas, apresentadas quase como “dormitórios”, que têm recebido novos moradores, num escape aos preços elevados das cidades. Este é um dos temas que «Têm de Vir Vê-la» aborda com estrutura e profundidade, revelando as múltiplas cores, até as mais negras, que se encontram para lá do caos citadino. No entanto, a própria intromissão das “pessoas da cidade” reinventa as terras e os habitantes, bem como as suas relações interpessoais.

«Têm de Vir Vê-la» é o cinema na sua humildade, de igual para igual a quem o vê. Com as mesmas preocupações e reflexões que se têm com amigos. No centro, a poesia na voz da escritora Olvido García Valdés, com partes da sua obra Esa Polilla Que Delante De Mí Revolotea; a música e um livro que aborda temas íntimos às personagens; e, quem sabe, à própria audiência.

Título Original: Tenéis que Venir a Verla Realização: Jonás Trueba Elenco: Itsaso Arana, Francesco Carril, Irene Escolar, Vito Sanz Duração: 64 min. Espanha, 2022

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº94, Junho 2023]