É difícil não pensar em tramas sobre a resiliência da paixão como «O Despertar da Mente» (2004) e «A Minha Namorada Tem Amnésia» (2004) diante de «Supernova», uma ode à perenidade do querer na instância do esquecimento. Por anos a fio, entre o fim do século XX e o início do XXI, o cinema falou da memória como instância a ser preservada a qualquer custo, vide o «2046» (2004), de Wong Kar Wai, onde nem o futuro se livra das fantasias do passado. Mas, agora, há uma onda de filmes sobre o apagamento dos lastros de afeto. E a pérola de Harry Macqueen, é um dos mais bem-sucedidos gestos nessa perspectiva do audiovisual. Uma perspectiva que se calça em grandes trabalhos de atuação.

Realizador do charmoso «Joe Gould’s Secret» (2000), Stanley Tucci concorreu ao Oscar uma única vez, como ator coadjuvante, por «Visto do Céu» (2009). Na ocasião, a diva Meryl Streep, a sua colega em vários filmes, frisou o quão farta é a generosidade que ele tem no trato com seus parceiros de cena. Definido também como um parceiro generoso, Colin Firth, laureado com a estatueta de Hollywood em 2011, em «O Discurso do Rei», teve a chance de provar do “charme Tucci” em um lugar de dor… mas também de amor…. em um filme no qual seu coprotagonista faz jus (e muito) aos elogios recebidos por Meryl: o drama «Supernova». Tucci faz de Firth um gigante e Colin faz de Stanley um colosso. É uma troca de harmonia plena entre dois atores em estado de graça.

Também ator, o cineasta Harry Macqueen (diretor de «Hinterland» (2014)) pilota «Supernova» com um ónus de delicadeza ascendente. O filme tem no silêncio apaixonado do seu casal de protagonistas – o músico Sam e o escritor Tusker – o seu combustível. Tucci dá a Tusker uma dimensão poética rara de se ver: cheio de si, em sua esgrima com as palavras, esse autor está diante de um diagnóstico de demência capaz de liquidar a sua memória. O seu marido, Sam (melhor papel de Firth em anos) testemunha a sua peleja diária com um mal terminal e suas decisões nem sempre palatáveis. Macqueen filma os dois com doçura, sem apelar para closes invasivos, calçado na partitura melancólica do músico Keaton Henson na sua trilha sonora. Em um dado momento, fala-se “Não se chora o luto de alguém que está vivo”. É a deixa para se entender o quanto um abraço pode ser um abrigo e quão analgésico o efeito de mãos dadas pode ter sob as células cerebrais. Num momento de devastar miocárdios, Tusker se propõe a ler um discurso para a família do seu companheiro. Mas prefere que o próprio Sam o leia. Na leitura, aquando a sua estreia no Festival de San Sebastián a audiência derreteu e aplaudiu aquela paixão com ardor ibérico.

Título original: Supernova Realização: Harry Macqueen Elenco: Colin Firth, Stanley Tucci, Pippa Haywood. Duração: 106 min. Reino Unido, 2020

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