«Conclave» teve um orçamento de 20 milhões de dólares e estreou no Festival de Telluride onde impressionou plateias com um acabamento requintado na sua direção de fotografia e um timbre frenético na sua montagem – virtudes que lhe têm valido rasgados elogios por onde passa. A competição pela Concha de Ouro de San Sebastián foi uma das rotas de consagração da longa-metragem baseada no romance de Robert Harris, que entra em diálogo com um outro filme de culto do passado…. Seja pela ambientação vinculada aos signos do cristianismo, seja pelo seu clima de mistério, o thriller do realizador germânico Edward Berger evoca «O Nome da Rosa» (1986). O sucesso de Jean-Jacques Annaud, baseado no romance de Umberto Eco (1932-2016), não fez parte do rol de referências explícitas de Berger na concepção da sua narrativa sobre os bastidores da sucessão papal num Vaticano acossado por ameaças terroristas. Ele bebeu direta e assumidamente em «Os Homens do Presidente» («All The President’s Men», 1976) e outros êxitos de Alan J. Pakula (1928-1998). É difícil, apesar disso, não lembrarmos de Sean Connery (1930-2020), de batina, a investigar os crimes no seio da Igreja, diante da batalha moral empreendida por um cardeal ungido pelo óleo da retidão, Thomas Lawrence (Ralph Fiennes, devastador), com a finalidade de escolher o novo sumo pontífice pelo meio de uma guerra de egos. O contexto eleitoral que poderia, no máximo, render um drama sobre as disputas de ego transforma-se num eletrizante suspense sobre jogos de poder nas mãos do realizador de «A Oeste Nada de Novo» («All Quiet On The Western Front»), o vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2023.
Eletrizante, assustadoramente afinado com o zeitgeist que devolveu Donald Trump à Casa Branca, «Conclave» expõe o avanço de uma direita xenófoba, sexista e homofóbica em torno da passagem de bastão no seio eclesiástico nos arredores de Roma, após a morte do Papa. Uma escolha errada para ocupar o lugar de Sua Santidade pode resultar num retrocesso capaz de colocar um ponto final a todos os avanços que a religião católica demonstrou (ou tentou esboçar) na luta para expiar os seus pecados. Pelo meio da troca de estadista, uma estratégia digna de uma partida de “War” (famoso jogo de tabuleiro) estabelece-se conforme o já citado sacerdote Thomas Lawrence (papel de Fiennes) a tarefa de conduzir os votos dos seus colegas. Há muitos cardeais a ambicionar esse posto, como a raposa velha Tremblay (John Lithgow), o moderado Bellini (Stanley Tucci, sempre afiado), o ascendente Adeyemi (Lucian Msamati) e o mais perigoso de todos, o fascista Tedesco (Sergio Castellitto, numa avassaladora atuação). No meio deles, uma freira (Isabella Rossellini, na mais sólida interpretação da sua carreira) parece saber segredos que podem alterar o destino do Vaticano. Ao avaliar o perigo que o espreita, Thomas afirma: “Certeza é o inimigo da unidade. Certeza é o inimigo da tolerância”. A partir desse preceito nada cartesiano, Berger descortina ambiguidades que se escondem sobre um signo sacro.
«Conclave» atualmente dispara nas principais listas de apostas para os prémios da temporada dos Oscars, com um oceano de elogios para Isabella Rossellini e Ralph Fiennes.
Título original: Conclave Realização: Edward Berger Elenco: Ralph Fiennes, Stanley Tucci, John Lithgow, Lucian Msamati, Isabella Rossellini Duração: 120 min. Reino Unido/Estados Unidos, 2024