Em «Lars e o Verdadeiro Amor» a originalidade anda de mão dada com o humanismo da narrativa, despoletado a partir de uma realidade virtual. Um enredo que encaixa nos sentimentos de cada espectador, registo despretensioso, inteligente e conta com interpretações que fazem derreter o gelo numa pequena cidade do midwest americano.
Lars (Ryan Gosling), o protagonista, vive emocionalmente isolado tudo muda quando descobre através da internet a companheira perfeita. Bianca é uma boneca em tamanho real, surge em ecrã numa cadeira de rodas é uma “interpretação” no mínimo subtil, é mais do que qualquer Barbie, tem um significado tremendo em Lars, ele trata-a como se fosse real, juntos formam uma ponte para fora da sua carapaça. O sucesso do filme passa pela conspiração emocional de uma comunidade inteira que começa a proceder da mesma forma que Lars em relação a Bianca. O sentido de fábula é constante na narrativa. Um processo de encenação surpreendente, efectuado sem que o argumento caia em sarcasmos ou percorra o embaraçoso traçado de um drama da vida real, domina a plausibilidade na forma de interação dos personagens formando uma bolha de vida em redor de um corpo inerte. Graças a exteriorização das emoções e do diálogo afectivo com Bianca, Lars cria lentamente uma ponte para a normalização. Lars não é esquizofrénico ou psicótico apenas descompensado de afectividade feminina, o seu principal apoio advém de Gus, o seu irmão interpretado por Paul Sheneider, o mais céptico em torno da love doll, e Karin (Emily Mortimer), a esposa de Gus, a primeira a receber Bianca no seio da família. O bizarro atinge o inacreditável no último terço, nas sequências mais tristes que dão lugar à pura fantasia, um clímax sublime, com a boneca a deixar uma cidade consternada.
A realização pertenceu a Craig Gillespie um conceituado director da área de publicidade, algumas das suas criações fazem parte do espólio do prestigiado Museu de Arte Moderna em Nova Iorque. Uma escolha acertada para filmar o peculiar argumento, pertença de Nancy Oliver. Esta conta com experiência televisiva, argumentista da série «Sete Palmos de Terra». O texto é objectivo, bem estruturado e sem números de show of, adquirindo outro patamar em função das performances. Gosling é formidável numa transfiguração cómica e emocional num desempenho sem falhas. De realçar a presença bastante forte de Emily Mortimer e Paul Schneider que ganham, com mérito próprio, o seu espaço na obra.
Um excelente relato do poder da amizade, de uma ternura arrebatadora, «Lars e o Verdadeiro Amor» dá vida a qualquer objecto inanimado.
Título original: Lars and the Real Girl Realização: Craig Gillespie Elenco: Ryan Gosling, Emily Mortimer, Paul Schneider, Patricia Clarkson. Duração: 106 min. EUA/Canadá, 2007
[Crítica publicada originalmente no site Cinema2000, 15 de Maio de 2008]