O filme de Simon Moutaïrou é um poema. A narrativa que «Sem Amarras» se propõe a contar excede a noção que temos de argumento ou linha narrativa, pois é muito mais do que isso. Há simbolismo, presença e muita história por detrás dos escravos que, desesperados, tentam escapar a uma vida de abusos e violência. Só vão parar quando encontrarem a terra prometida e, por fim, puderem abandonar a rotina de sufoco em que se veem mergulhados. Mas a promessa é apresentada como inútil desde o primeiro momento: a liberdade que procuram não existe?
As novas ideias políticas e sociais de Honoré Larcenet (Félix Lefebvre) envergonham o pai e, como consequência, Massamba (Ibrahima M’Baye) perde os “privilégios” que tinha. Benefícios parcos, mas que, atendendo à realidade em que os escravos de Eugène Larcenet (Benoît Magimel) experienciavam, eram bastante relevantes. Como resultado, a filha Mati (Anna Diakhere Thiandoum) foge, para que não possa ser separada do pai e abusada pelo dono da plantação.
O desejo de liberdade lança caçadores de escravos e outras forças de autoridade no encalce dos fugitivos, que tentam, com maior ou menor sucesso, responder à constante ameaça. Os confrontos são sangrentos, tensos e catastróficos, com consequências terríveis para ambos os lados. Uma batalha onde todos perdem, mas o poder marca muitas vezes a diferença, perante a desigualdade invencível. Uma análise interessante, com «Sem Amarras» a explorar não só a linha narrativa, mas também a criar um ambiente pesado e desconfortável para a própria audiência. Onde, a espaços, surge esperança.

O filme desafia o espectador a refletir sobre sistemas de poder, hierarquias sociais e a eterna busca pela liberdade individual e coletiva, apresentando uma narrativa intensa que mistura filosofia política com drama humano. Desde o início, a realização de Simon Moutaïrou evidencia-se pelo cuidado em equilibrar uma estética poderosa com uma narrativa meditativa. Os enquadramentos cuidadosamente compostos e a cinematografia evocativa criam um ambiente de tensão palpável, onde a opressão e a resistência se misturam.
O argumento do filme é um dos seus maiores trunfos. Consegue abordar questões complexas – como a legitimidade do poder, a resistência ao autoritarismo e o preço da revolução. A história é sustentada por personagens bem construídas, que personificam os dilemas morais e existenciais inerentes à luta contra a opressão. Cada figura apresenta uma perspetiva única, contribuindo para um mosaico rico de ideais e emoções que desafiam a compreensão do espectador.
Título original: Ni chaînes ni maîtres Realização: Simon Moutaïrou Elenco: Ibrahima M’Baye, Camille Cottin, Anna Diakhere Thiandoum Duração: 98 min. França, 2024