Face aos resultados desequilibrados, mas ao mesmo tempo muito motivadores, de «Rainha do Deserto», não podemos deixar de recordar que a obra do alemão Werner Herzog sempre evoluiu “condicionada” por duas componentes muito particulares: em primeiro lugar, um obstinado gosto documental que o leva, por vezes, a enfrentar desafios de fascinante radicalismo (lembremos o seu documentário «A Gruta dos Sonhos Perdidos», lançado em 2012, sobre as grutas Chauvet no sul de França); depois, o envolvimento em projectos de ficção que implicam invulgares meios humanos e logísticos (sendo «Fitzcarraldo», de 1982, sobre a construção de um teatro de ópera no meio da selva, o exemplo mais emblemático).

«Rainha do Deserto» nasce dessa mesma dinâmica. Trata-se de fazer o retrato de Gertrud Bell (1868-1926), arqueóloga inglesa que acabou por ter um papel decisivo nas políticas do Império Britânico entre os dois conflitos mundiais, em particular na constituição da Jordânia e do Iraque. É fácil compreender tudo aquilo que seduziu Herzog. Afinal de contas, para além da sua condição de mulher a afirmar-se num mundo quase totalmente ocupado e gerido por personagens masculinas, Bell foi também alguém que viveu directamente, por vezes com risco da própria vida, um tempo em que todos os mapas — geográficos, diplomáticos e simbólicos — foram reconvertidos de modo mais ou menos radical.

Centrado numa bela composição de Nicole Kidman, o «Rainha do Deserto» é claramente desigual na prestação dos seus actores; Robert Pattison, em particular, tem evidentes dificuldades em sustentar a personagem de T. E. Lawrence — e escusado será dizer que a comparação com Peter O’Toole, em «Lawrence da Arábia» (1962), está longe de o favorecer…

Além do mais, o filme parece ressentir-se daquilo que terá sido a “aceleração” da própria rodagem (e sabe-se que houve problemas vários na organização da sua produção). São especialmente débeis as cenas de ligação dos vários capítulos, em particular no modo como nos dão a ver o contexto paisagístico da acção (e não será arriscado supor que tal seria um elemento fundamental na mise en scène de Herzog). Ao mesmo tempo, «Rainha do Deserto» faz-nos aceder a um labirinto de personagens e culturas do Médio Oriente que importa contemplar para além de qualquer cliché mediático (e, em particular, televisivo). Nesta perspectiva, o filme consegue mesmo a proeza de nos levar a pressentir que muitas das convulsões do nosso presente têm as suas raízes na época em que Gertrud Bell foi uma tão especial protagonista.

Título original: Queen of the Desert Realização: Werner Herzog Elenco: Nicole Kidman, James Franco, Robert Pattinson, Damian Lewis Duração: 128 min. EUA/Marrocos, 2015

[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº39, Junho 2016]

https://www.youtube.com/watch?v=dg3ZRmLTJAU
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