De que falamos quando falamos de cinema japonês? Pois bem, antes do mais, de um riquíssimo património que se pode simbolizar através dos nomes Yasujiro Ozu ou Kenji Mizoguchi. O menos que se pode dizer do filme «A Pale View of Hills», de Kei Ishikawa (apresentado na secção “Un Certain Regard”) é que surge como um brilhante herdeiro desse património, nomeadamente através da sua capacidade, de uma só vez realista e poética, de lidar com os traumas da Segunda Guerra Mundial. Estamos perante uma adaptação do primeiro romance de Kasuo Ishiguro, publicado em 1982, construído em torno de uma relação mãe/filha que oscila entre 1953 e 1983, ou seja, Nagasaqui e Londres. É raro encontrarmos no cinema contemporâneo esta depuração formal, tanto mais admirável quanto o ziguezague temporal, mais do que um jogo de flashbacks, funciona como um território afectivo, pleno de contrastes e enigmas, em que as coordenadas do espaço e do tempo estão em permanente transfiguração. Por mim, independentemente daquilo que Cannes ainda tem para mostrar, o filme de Ishikawa ficará, por certo, como uma das mais belas descobertas desta edição de 2025. Sem esquecer que este é um cinema de absoluta devoção pelos seus talentosos intérpretes — o destaque vai para Suzu Hirose, que já conhecíamos, por exemplo, de «A Nossa Irmã Mais Nova» (2015), de Hirokazu Koreeda.
