«Podia Ter Esperado por agosto» (2024) marca a estreia de César Mourão, membro fundador dos «Comedia a la carte», ator e apresentador de televisão, na cadeira da realização de cinema. Protagonizado pelo próprio e por Júlia Palha, num elenco recheado de atores e atrizes de créditos firmados no panorama nacional o filme, passado numa aldeia do interior de Portugal, coloca questões decisivas como a solidão na velhice ou outras mais românticas como aquilo que alguém está disposto a fazer para conquistar a sua cara-metade. A estreia do filme constituiu a oportunidade ideal para conversarmos com o César Mourão sobre o filme: desde a origem do projeto (do argumento ao plateau), até à escolha do elenco e ao trabalho com os atores, na rodagem, passando pelas condições duras da rodagem e uma memória muito especial da produção do filme, partilhada com os leitores da Revista METROPOLIS, No final da conversa, o realizador revelou-nos o que o motiva a fazer cinema e o que o levou a sair da sua zona de conforto – a televisão- e arriscar iniciar a sua carreira como realizador de cinema.

Onde nasceu a ideia do argumento do filme que assina em conjunto com o Pedro Goulão?
César Mourão: O argumento nasce comigo sentado no cinema a ver o filme «Os Espíritos de Inisherin». Estava a ver o filme – passa-se na Irlanda – e pensei primeiro que tudo aquilo era muito parecido com os Açores, com aquele ambiente dos Açores, aquela fotografia dos Açores. Depois o filme, que para mim é muito bem conseguido, fala sobretudo duma pessoa que quer acabar uma amizade com outra. Não tem mais nada do que isto! E é também uma comédia! Acaba por ser uma comédia, já só na sua premissa, embora não seja assumidamente uma comédia, que é como eu mais gosto! Os meus trabalhos, mesmo os de humor, não são para rir à gargalhada, o que interessa é o todo e não o punchline da gargalhada. Para mim, o humor não está aí! Para mim o humor está quando nós saímos do cinema ou do teatro e pensamos: “Espera aí, mas isto teve graça! Ao mesmo tempo é uma desgraça, mas tem graça! Vou muito por esse caminho da comédia. Então, sentado no cinema, começo a pensar nisso e noutra coisa: “não conheço nenhum filme de humor que seja passado à chuva! Que seja passado no inverno.” Os filmes de humor, pelo menos em Portugal, são normalmente passados ao sol, com muita cor, muita luz. Pensei em como seria interessante fazer exatamente o contrário. Fazer um filme de comédia que se passasse nesta fotografia, neste lado mais taciturno, nesta chuva, porque Portugal também é feito de chuva e de escuridão! Será que não há humor nesses sítios? Há! Quando saio da sala de cinema, mando uma mensagem ao Pedro Goulão e digo-lhe: “Pedro, temos de escrever um filme com uma ideia que tenho.” Reunimos e começamos assim. Comecei a ter a ideia de alguém da aldeia, porque há muito esta questão da solidão.

A escolha do elenco. É um elenco rico em talento, desde os protagonistas, o César (Mourão) e a Júlia Palha, que se estreou no cinema, ainda adolescente, no «John From»(2015) de João Nicolau – até aos secundários que incluem nomes como o João Reis, a Luísa Cruz, o Manuel Cavaco (no papel do Avô), o Dinarte Branco, a Carla Vasconcelos, o Pedro Lacerda. Em relação aos protagonistas, os papéis foram escritos a pensar em si e na Júlia (Palha)?
César Mourão: Sim, embora no caso da Júlia não havia certezas de que ela pudesse fazer o papel, por causa de questões de agenda. O argumento quando foi escrito, já foi a pensar, mais ou menos, neste elenco. Obviamente que existem sempre coisas a mudar, mas no caso dos protagonistas já foi pensado em mim e na Júlia! Por exemplo, o personagem do Dinarte Branco foi escrito exatamente para ele. Caso o Dinarte não pudesse aceitar fazer o filme, tínhamos ali um problema. O personagem do Pedro Lacerda também foi escrito para ele, e tivemos a sorte de ele aceitar imediatamente.

«Podia Ter Esperado por agosto» é uma comédia de enganos. O timing das piadas e das situações é essencial. Qual a razão para ter escolhido a comédia para se estrear na realização de cinema? Quis arriscar no que é considerado o género cinematográfico mais difícil?
César Mourão: Para mim não é o género mais difícil! Sei que a comédia é o género mais difícil de editar, de realizar, de escrever, é realmente o mais difícil. Porque obedece a um tempo e a um timing, que ou se tem, ou não se tem. É quase um tempo interior! Às vezes falávamos sobre isso. Por exemplo, eu na edição juntamente com o Marcos Castiel, que é um génio da edição, havia cenas que, mesmo assim, dizia: “três frames a mais! Mas três frames fazem diferença? Nesta resposta faz! São três frames a mais. Portanto, para mim, a comédia é mais fácil, é um bocadinho ao contrário: pergunta-me porque escolheu o mais difícil? Não, eu escolhi o mais fácil para começar, no cinema. Para mim, os outros géneros são mais difíceis. Fui pelo caminho mais fácil que é a comédia, aos meus olhos é, realmente, mais fácil! Depois há outro aspeto: não faço um trabalho a pensar se é um drama, ou uma comédia, ou outro género, eu faço um filme que quero que tenha uma mensagem, que seja transversal – eu não gosto de fugir à palavra comercial. Há muito medo e necessidade de fugir ao lado mais comercial. A própria crítica especializada foge quando se trata dum filme comercial, e eu não consigo perceber porquê! Pode haver filmes comerciais muito bons como pode haver filmes comerciais muito maus! Pode haver filmes de autor muito bons e pode haver filmes de autor muito maus!

Leia a entrevista integral com César Mourão na Edição nº108 da Revista Metropolis.

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