De Pilar Palomero conhecíamos a primeira longa-metragem, «Raparigas» (2020), um filme que olha o lugar da adolescência a partir de uma Saragoça bafejada pela modernidade, no ano de 1992, seguindo o rosto silencioso de uma jovem órfã de pai, que nada sabe acerca dessa figura ausente. Entretanto, a realizadora espanhola assinou «La maternal» (2022), centrado noutra experiência da juventude, que não chegou a estrear nas salas portuguesas, sendo o último, «Pequenos Clarões», que nos devolve ao contacto com o seu cinema. E note-se, desde logo: se «Raparigas» continha no coração do argumento a referência desse pai “de quem não se fala”, o novo filme põe, justamente, a imagem paterna no núcleo da história, que se constrói pela acumulação de vislumbres de uma vida emocional.
Sem forçar acontecimentos ou procurar zonas de conflito dramático para encher o quadro, «Pequenos Clarões» tem a enorme subtileza de estabelecer a proximidade da morte como vivência puramente introspetiva. E porém, a câmara de Palomero interessa-se pela vida. Aquela que resiste à nossa curiosidade, e que apenas se pode agarrar em breves indícios de expressão corporal, ou silêncios eloquentes. Eis então o silêncio de Isabel (Patricia López Arnaiz), uma mulher absorvida pela missão de visitar diariamente o ex-marido moribundo – pedido feito pela filha, que está a estudar em Valência –, nesse encargo descobrindo dentro de si, e aos poucos, uma espécie de paz de espírito. Algo que podemos intuir pela bênção simples de alguns momentos.

Em duas das sequências mais bonitas de «Pequenos Clarões», a morte passa pelo calor do olhar e a intensidade despojada das situações: numa, a filha lê ao pai uma esplendorosa passagem de “Platero e Eu”, de Juan Ramón Jiménez, no hospital; na outra, uma equipa de cuidados paliativos visita-o em casa e fala da necessidade de olhar nos olhos o termo da existência. Ainda agora «O Último Suspiro», de Costa-Gavras, abordou os cuidados paliativos com semelhante humanismo, embora com uma energia distinta.
Seja como for, «Los destellos» (título original) não envereda por qualquer teoria sobre a boa-morte, nem sequer se ocupa de reflexões profundas nesse sentido. É um filme que colhe das suas personagens uma verdade quase impercetível, dando-as a conhecer através das intermitências da linguagem, na consciência da morte iminente.
E assim continua a já bem notada saúde da nova geração do cinema espanhol.
Título nacional: Pequenos Clarões Título original: Los destellos Realização: Pilar Palomero Elenco: Patricia López Arnaiz, Antonio de la Torre, Marina Guerola Origem: Espanha Duração: 101 min. Ano: 2024

