Há primeiras obras assim: tristes e silenciosas, cinzentas e intimistas, cuja comoção acutilante dispensa adornos. Falamos, claro, de «On Falling», cujo quadro de (falsa) quietude nos envolve pelo olhar tímido e alienado da sua protagonista, uma trabalhadora portuguesa na Escócia reduzida a um mundo interior potencialmente vazio, antes de mais, carente do afeto dos outros… sem o dar a entender. Longa-metragem de estreia de Laura Carreira, vencedora da Concha de Prata de Melhor Realização no Festival de San Sebastián, este é um filme com evidentes parentescos de realismo cinematográfico – seria tentador enumerá-los –, mas, ao mesmo tempo, muito singular no seu estudo obsessivo do tipo de solidão que ameaça a desistência da vida.
Interpretada por uma tremenda Joana Santos (aqui a confirmar o calibre dramático que revelara em «Vadio», de Simão Cayatte), Aurora é uma personagem de poucas palavras, que ora fixa os olhos em códigos de barras, dentro de um grande armazém, ora ocupa a visão com o ecrã do telemóvel, sem nunca receber chamadas de vivalma. Seguimos, assim, a monotonia opaca dos seus dias que, longe dos corredores do armazém onde coleta dados, se divide entre pratos de massa e conversas ténues com outra portuguesa que lhe dá boleia para casa. Enfim, o quotidiano parece ganhar alguma cor com a chegada de um novo roommate polaco, que a convida para uma saída a um bar com os seus amigos e, mais tarde, para uma refeição na cozinha, mas mesmo a simpatia desinteressada desse imigrante não preenche o buraco existencial de Aurora, cada vez mais fechada num processo de sobrevivência que não se atreve a verbalizar.

Para lá da marca de realismo na senda de Ken Loach, «On Falling» mostra tudo isto sem sucumbir à explosão da dor, que talvez configurasse um caminho mais fácil à leitura emocional. E é nessa atitude discreta, nessa construção “muda” do que se passará com os sentimentos da protagonista que Laura Carreira acusa uma notável sensibilidade – um pouco como se viu no recente filme irlandês «Pequenas Coisas Como Estas», que, não tendo nada a ver em termos de história, usa do mesmo poder de atenção aos gestos calados de uma personagem, sugerindo o seu sofrimento. A diferença essencial é que, no caso da referida adaptação do romance de Claire Keegan, temos acesso às memórias do carvoeiro, ao passo que a realizadora de «On Falling» trabalha com os elementos mínimos, e faz muito com eles: sem se saber nada sobre Aurora, para além do seu nome, somos sugados pela consciência do seu corpo desamparado, pela solidão da alma anónima em terra estrangeira.
TÍTULO ORIGINAL: On Falling REALIZAÇÃO: Laura Carreira ELENCO: Joana Santos, Inês Vaz, Piotr Sikora DURAÇÃO: 104 min. ORIGEM: Reino Unido, Portugal ANO: 2024