Terceira e derradeira proposta do ciclo MESTRES JAPONESES DESCONHECIDOS IV, «Hikô shôjo Yôko» («Yôko, a Delinquente»), 1966, de Yasuo Furuhata (1934-2019). Trata-se da primeira obra de um realizador que iria seguir em frente com uma carreira em que se incluem algumas obras de fôlego comercial. Neste caso, pega numa personagem feminina similar a outras que várias vezes foram usadas no cinema japonês, ou seja, a jovem que vem do campo para a cidade para mudar de vida. Diga-se, nem sempre para fazer fortuna mas sim para encontrar um antídoto ao quadro cinzento das rotinas diárias que no chamado Japão profundo eram muito, mas mesmo muito redutoras. Na grande cidade e em meados do Século XX, a influência dos meios cosmopolitas europeus e americanos fazia-se sentir através da contra-cultura hippie, geralmente mal assimilada, e de alguns laivos da atmosfera existencialista dos beatnicks onde os ritmos jazzísticos predominavam.

Em Tóquio, Yôko encontra um amigo de infância. Todavia, as coisas não correm bem e a rapariga vê-se empurrada para um vaguear pelas ruas e meandros mais ou menos obscuros onde o consumo de álcool e drogas se faz com entusiasmo, que ela procura evitar, mas a que por fim não fica imune. Resultado, após uma bad trip, ela acorda no quarto de Jirô, um dos parceiros de loucura no bar de jazz. Entretanto, prevalece no seu imaginário, desconexo e mais ou menos influenciado pelo cinema da nouvelle vague francesa, a ideia de sair do Japão e rumar a Saint-Tropez. Praia e sol, longe do que até aí tinham sido os seus horizontes sombrios. E não é que o realizador e os argumentistas lhe fazem a vontade e numa das sequências mais delirantes do filme ela embarca para o destino sonhado a bordo de um cargueiro! Dito isto, pessoalmente preferia que o filme acabasse por se concentrar nas curvas e contracurvas da urbe japonesa, assumindo cada personagem as consequências das suas escolhas individuais. Mas como não quero fazer os filmes alheios, apenas me resta dizer que a vida de Yôko, que ela viveu como se fosse uma pinball a levar pancada de um lado para o outro no interior de um jogo de imponderáveis viciado desde o início, merecia outra redenção e não a solução pseudo-romântica que nos deixa com um amargo de boca a perguntar… “será verdade?”

Lamento, mas este «Yôko, a Delinquente», dirigido por um “mestre” desconhecido, podia ser bem melhor e não acrescenta grande coisa ao excelente conjunto de filmes que nesta e nas anteriores séries pudemos visionar.

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº114, Janeiro 2025]

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