Page 170 - Revista Metropolis nº122
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LAVAGANTE
TÍTULO ORIGINAL
Lavagante
REALIZAÇÃO
Mário Barroso
ELENCO
Francisco Froes
Nuno Lopes
Júlia Palha
ORIGEM
Portugal
DURAÇÃO
92 min.
ANO
2025
Há filmes que chegam tarde e ainda assim parecem O enredo parece simples: Cecília (Júlia Palha),
nascer no tempo certo. «Lavagante», de Mário estudante de Arquitetura, apaixona-se por Daniel
Barroso, é um deles: estreia-se a 2 de outubro, (Francisco Froes), médico oposicionista ao regime.
precisamente no dia do centenário de José Cardoso À volta deles, a sombra da PIDE, a brutalidade
Pires, o escritor cuja obra lhe serve de base. Um policial e as manifestações estudantis de 1962 na
gesto simbólico, claro, mas, sobretudo, um choque Cidade Universitária. Mas Cardoso Pires nunca
frontal com a nossa memória coletiva. Porque foi homem de histórias lineares e Barroso soube
este não é apenas mais um filme português sobre preservar isso. A narrativa é uma teia de enganos,
a ditadura — é um dos melhores exercícios de espionagem, sedução e medo, onde a metáfora
cinema nacional dos últimos anos, capaz de unir do lavagante — o animal que engorda a presa
literatura, história e emoção sem cair no panfleto até a devorar — se aplica tanto ao regime como
nem na monotonia. às próprias personagens, consumidas por forças
maiores do que elas.
O projeto começou com António-Pedro Vasconcelos,
que adaptou o conto "Lavagante, Encontro O filme respira Cardoso Pires: frases cortantes,
Desabitado" e assinou o argumento. Morreu sem o ver ironia ácida, uma Lisboa captada no seu cinzento
filmado. Paulo Branco, teimoso como só ele, segurou opressivo, mas também na beleza clandestina de
o barco. E Mário Barroso, herdeiro da tradição de cafés, casas de praia e becos onde se conspirava
unir poesia visual a rigor histórico, pegou na câmara contra Salazar. Há quem diga que filmar ditaduras
e concluiu o que parecia perdido. O resultado é um é sempre fácil porque o mal já está pronto. Aqui
filme duro, elegante, necessário e, ao contrário do não: o mérito está em dar densidade a cada gesto,
que é o pessimismo habitual nos leva a acreditar, ser em mostrar que amar podia ser também um ato de
capaz de atrair público para as salas. resistência, e que a traição — íntima ou política —
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