Pelos idos de 1890, “The Picture of Dorian Gray” ficou no ouvido da sociedade europeia, ganhando o Atlântico e o Pacífico pouco tempo depois, na onda das reflexões de Oscar Fingal O’Fflahertie Wills Wilde (1854 –1900) sobre o preço impagável da beleza eterna. A transição das almas acaba sempre por entrar na equação financeira da vaidade a qualquer custo. O tema era a inquietante para a vida dos modernos, e segue na mesma linha de alerta pós-modernidade adentro, como se vê no (delicado) trabalho de investigação antropológico de Agathe Riedinger em «Diamante Bruto». A produção concorreu à Palma de Ouro em 2024. Foi o primeiro título de um certame vencido por «Anora» e abriu alas para uma jovem cineasta francófona vinda das curtas-metragens. Não é por acaso, a cineasta tratou de questões similares nos 23 minutos do seu «J’Attends Jupiter», lançado em 2018. Estreou-se no formato da longa-metragem a propor uma expansão desse filme de outrora – que ficou no radar da crítica.

Amparada pela dionisíaca direção de fotografia de Noé Bach, galvanizada pela montagem de Lila Desiles, o seu «Diamante Bruto» lapida uma análise de campo sobre a histeria da fama a todo e qualquer custo, o que exige jovialidade. A sua protagonista, Liane, de 19 anos, vive com a mãe e a irmã mais nova num bairro pobre de Fréjus e tem muito cuidado com a sua aparência. Sabe que atrai olhares nas ruas e favorece a objetificação com um intuito de lucrar com ela, numa inversão dos pleitos antimachistas do presente. Administra o seu charme como um património e joga o jogo do sexismo na crença de que ela dá as cartas e vira os dados a seu bel-prazer. Na ânsia de ser reconhecida, não por vizinhos, mas pelos media e a mira dos reality shows. Acredita que qualquer “Big Brother” da TV, com audiência 24 horas a pay-per-view, irá dar-lhe o amor que tanto deseja. Um amor em escopo nacional, quiçá continental. Cheia de esperança, fez uma audição para a 9.ª temporada de “Miracle Island”, um programa de enorme sucesso. Para isso, contudo, vai fazer o mesmo que o Dorian Gray de Wilde e vai pactuar com diabos sem qualquer empatia. Os feitos da jovem, à luz da abordagem cítrica e crítica de Agathe, dão margem para um estudo sobre histerias digitais, num mundo que posta falsos sorrisos para se fazer conectar com a posteridade.
Título original: Diamant brut Título internacional: Wild Diamond Realização: Agathe Riedinger Elenco: Malou Khebizi, Idir Azougli, Andréa Bescond, Alexis Manenti Duração: 103 min. França, 2024