Que aconteceu, afinal, na crise financeira de 2008? «A Queda de Wall Street» é um filme que nos leva a reformular tal pergunta. Prolongando-a com outra: porque é que os efeitos dessa crise, inicialmente detectada no crédito à habitação nos EUA, rasgaram todas as fronteiras, afectando a vida de milhões de pessoas em todo o mundo?
Podemos responder da maneira mais linear, obviamente incontornável. De facto, desde a investigação jornalística até à produção de teses mais ou menos especializadas, não têm faltado as abordagens apostadas em ajudar-nos a lidar com tão complexos (e perturbantes) eventos. Mas como contar tudo isso em forma cinematográfica?
Alguns exemplos têm também surgido, incluindo o pioneiro «O Dia Antes do Fim» (2011), de J. C. Chandor, ou o recente «99 Casas» (2015), de Ramin Bahrani. Baseado no livro de Michael Lewis, «A Queda de Wall Street» é um descendente directo de tais títulos, com a particularidade de nos projectar num cenário à beira do surreal. Não se trata, de facto, de observar os efeitos dramáticos da crise, mas de recuar ao período de 2004-2005, quando alguns investidores e analistas financeiros de Wall Street começaram a pressentir que algo ia mal e que, mais tarde ou mais cedo, a célebre “bolha” iria rebentar. Mais ainda: este é o momento em que algumas dessas personagens pressentem a possibilidade de encontrar estratagemas para aproveitar o caos que se anuncia e… construir algumas fortunas gigantescas.
Cinematograficamente, o “segredo” para, conseguir expor tudo isso é dos mais antigos da arte de contar histórias em filme. Em vez de favorecer generalizações mais ou menos “teóricas”, importa privilegiar as singularidades das personagens — desenhá-las não como “símbolos” sem espessura numa conjuntura que as ultrapassa, antes revelá-las num misto de psicologia e frieza conceptual que, mesmo na mais radical estranheza, lhes confere uma inequívoca dimensão humana.
Este é também, por isso mesmo, um trabalho atento às especificidades dos seus actores, incluindo um Christian Bale delirante, compondo um especialista em investimentos que gosta de trabalhar a ouvir “heavy metal”, e um Brad Pitt, subtilmente como sempre, a escapar à sua imagem de marca. Convém, a propósito, não esquecer que, embora com a chancela de distribuição de um grande estúdio (Paramount), «A Queda de Wall Street» nasce numa paisagem independente, de que a produtora Plan B (precisamente, a empresa de Brad Pitt) é um decisivo elemento.
Título original: The Big Short Realização: Adam McKay Elenco: Christian Bale, Steve Carell, Ryan Gosling, Brad Pitt, Steve Carell, Marisa Tomei, Melissa Leo, Karen Gillan, Tracy Letts, Jeremy Strong Duração: 130 min. EUA, 2015
[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº35, Fevereiro 2016]
https://www.youtube.com/watch?v=vgqG3ITMv1Q&t=12s