Em «Relay», David Mackenzie revisita o imaginário noir através da estética do realismo paranóico dos anos 70. Riz Ahmed interpreta de forma brilhante Ash, um intermediário que negocia informações sensíveis entre denunciantes e grandes monopólios — uma figura solitária e enigmática, ecoando o anti-herói moralmente ambíguo de filmes como «O Vigilante» (1974) ou «Klute» (1971).
O filme inscreve-se nesse universo de desconfiança e vigilância: corredores impessoais, interiores sombrios, e o peso constante do olhar dos outros. É um noir depurado, sem lugar para grande glamour, onde a tensão resulta dos silêncios e da opacidade das motivações das personagens. A fotografia de Giles Nuttgens prolonga essa atmosfera de isolamento, sugerindo uma América pós-utópica, feita de vidro e nevoeiro.
Curiosamente, o vigor quase hipnótico do trailer, no fundo uma paródia da estética dos anos 70, promete uma camada visual que o próprio filme não acompanha completamente — o que é pena. Essa atenuação pode gerar alguma desilusão: Mackenzie privilegia claramente a contenção sobre o impacto estilístico, deixando o thriller pender mais para o estudo de personagem do que para o exercício formal.
Ainda assim, «Relay» afirma-se como um noir moderno de rara subtileza: sombrio, controlado, e fiel a uma tradição cinematográfica que prefere a suspeita ao espetáculo. Mackenzie filma o vazio e o ruído da era digital com a serenidade de quem sabe que o verdadeiro mistério — como sempre no noir — continua a ser o humano.
Título Original: Relay Realização: David Mackenzie Actores: Riz Ahmed, Lily James, Sam Worthington Duração: 112’ Ano: 2024 Origem: UK, EUA

