«Sorry, Baby» é sobre uma casa. Primeira longa-metragem da realizadora, argumentista e actriz Eva Victor, o destino do filme que marca definitivamente o presente ano de 2025 veio desde logo a ser traçado após a sua estreia mundial no Festival de Sundance em Janeiro. Não só é um ‘filme-pérola’, no sentido em que nos faz sentir que existe para conseguir falar com cada um de nós individualmente, como vive na reverência dos mais longos sussurros, aqueles que têm que ser partilhados com o mundo na esperança de o unir um pouco mais. É gesto físico e emocional, demonstrativo de um cinema contemporâneo tão delicado quanto arrojado que, ao contrário do que temos visto ultimamente, subverte os lugares-comuns da narrativa sobre trauma, obliterando quaisquer moralismos maniqueístas.
Trançar a história de Agnes (Eva Victor) em volta da casa onde esta vive ao longo do tempo é um mecanismo que se prova infalível. Primeiro porque forja a arquitectura daquele lugar no tempo e no espaço, através da sua moradia encantadora em New England, uma cidade universitária rural. E depois porque nos coloca no corpo de Agnes, mapeando-a empaticamente. A estrutura da casa molda a relação afectiva que Agnes tem com aquela cidade, aquela universidade e com todos os que fizeram parte da sua vida desde que ali chegou. E é a partir da memória que vai sendo reedificada todos os dias que conhecemos esta professora-assistente universitária de literatura inglesa, a partilhar a vida com uma gata que resgata da rua exactamente depois de ter sido abusada sexualmente pelo seu orientador de tese nos últimos meses de doutoramento.

«Sorry, Baby» abre-se à não-linearidade do seu crescimento e navega o que lhe aconteceu (antes, durante e depois), cuidando do fosso que se abriu na relação que esta passa a ter com o mundo dali em diante. A casa de onde não se muda, um feito tão corajoso, age como uma testemunha. O filme debruça-se inteiramente sobre ela, a vítima, o que se mostra crucial. E fá-lo envolvendo-nos na sua intimidade naturalista partindo do olhar de alguém que a ama e conhece tão bem, Lydie (Naomi Ackie), a melhor amiga, que ali regressa anos depois (vive agora em Nova Iorque) para lhe dar a boa nova. Vai ver mãe. No processo de recuperação de Agnes, que se refugia nas paredes daquela casa onde Lydie também viveu, a amiga aparece para a relembrar da passagem do tempo. Podemos todos ser assolados por violência inimaginável, sem aviso. E Agnes é a confirmação viva disso mesmo. Haverá alguma forma de impedir que isso aconteça? Com a aparição de uma bebé na “família”, o filme de Victor denuncia a sua maturidade, encontrando uma resposta na subtileza. É o cinema a triunfar num drama humoroso, interiormente crestante, sobre a superação de uma mulher.
TÍTULO NACIONAL: Sorry, Baby TÍTULO ORIGINAL: Sorry, Baby REALIZAÇÃO: Eva Victor ELENCO: Eva Victor, Naomi Ackie, Lucas Hedges, John Carroll Lynch ORIGEM: Estados Unidos, Espanha, Francês DURAÇÃO: 104 min. ANO: 2025

