Baseado numa história real, a narrativa conta a história de D. Nina (Fernanda Montenegro), uma mulher de 80 anos que vive sozinha num dos lugares mais perigosos de Copacabana, na boca da favela. Apesar de fazer a sua rotina, como ir às compras, dar passeios à beira-mar, ajudar os mais desfavorecidos, ou o facto de continuar a trabalhar mesmo depois de “reformada”, a vida de Nina vira um pesadelo todas as noites, e dias, quando está em casa. À frente da janela do seu pequeno apartamento, onde antes se estendia uma floresta, ergue-se agora uma montanha de casas, polvilhada de criminosos e traficantes, que todos os dias fazem soar gritos, música aos berros e tiros perdidos.
Angustiada com a crescente violência no seu bairro, D. Nina decide tomar uma acção e começa a filmar a movimentação dos traficantes de drogas desde a sua janela, na esperança de que os agentes da autoridade tomem uma atitude para evitar o pior. Depois de meses a registar atividades suspeitas, a sua iniciativa atrai a atenção de um jornalista policial, Flávio (Alan Rocha), que se propõe a apoiá-la na sua missão.
Fernanda Montenegro dá vida a Nina, numa história inspirada em Joana Zeferino da Paz, a verdadeira Dona Vitória (nome dado a Joana no programa de testemunhas, depois de ter desmantelado o perigoso esquema de droga), e cuja identidade real só foi revelada após a sua morte, em 2023. Fábio Gusmão é o autor do livro que dá o mote a este filme de Andrucha Waddington e o jornalista que viu as gravações de D. Nina e escreveu a reportagem que denuncia um dos maiores esquemas de tráfico de droga em Copacabana no ano 2000. O seu papel é personificado pelo ator Alan Rocha que, no mesmo ano, contracena num filme com Fernanda Montenegro e noutro, em «Ainda Estou Aqui», com a sua filha Fernanda Torres.

Fábio Gusmão assume, numa entrevista à Globo, que o realizador Breno Silveira – a quem este filme é dedicado e que faleceu durante as filmagens – já tinha iniciado conversações logo após a publicação da reportagem e do livro em 2005. O mesmo referiu, ainda, que a verdadeira Joana Zeferino da Paz tinha apenas um desejo: que a sua história fosse representada por Fernanda Montenegro, algo que chegou a presenciar antes de falecer.
E, de facto, é em Fernanda Montenegro que recai a força de «Vitória». À dama do teatro, da novela e do cinema brasileiros, basta-lhe, simplesmente, ser. Tudo nela é natural e tudo nela ganha vida. Estamos perante uma grande senhora a desempenhar o papel de uma grande mulher, que teve a coragem de fazer algo contra o crime organizado numa sociedade onde a vida humana pouco vale.
O filme de Andrucha Waddington é competente, tem um ritmo próprio e não surpreende. No entanto, Fernanda Montenegro é, por si só, uma vitória, a vitória da arte em pessoa. «Vitória» não nos arrebata, mas acolhe-nos na casa de D. Nina, com bolo de laranja e chá. Sentamo-nos com ela, experimentamos a sua solidão, ouvimos os tiros e partilhamos da sua dor num mundo que há muito esqueceu os valores básicos e se perdeu, em prol do dinheiro e do poder. Dona Vitória é, no entanto, a flor que floresce no meio das ervas daninhas, mostrando-nos que quando a essência é pura, não há poder que resista impune.
Título original: Vitória Realização: Andrucha Waddington Elenco: Fernanda Montenegro, Linn da Quebrada, Alan Rocha, Thawan Lucas Duração: 112 min. Brasil, 2025