Como queremos o cinema político? Bem-passado, mal-passado ou em meio-termo? Andrea Segre, realizador que desembarcou no nosso litoral embalado pelo cântico da poesia estrangeira com «Shun Li e o Poeta», conquistando o grande prémio da Festa do Cinema Italiano, ancorou no painel das estreias portuguesas: “feito” que repete, passados treze anos, com «A Grande Ambição», biopic maturado de Enrico Berlinguer, carismático líder do Partido Comunista Italiano (1972 – 1984). Entre a fita protagonizada por Zhao Tao (rosto reconhecível do cinema de Jia Zhangke) e esta historieta política com Elio Germano à cabeça («A Confidência»), se passaram 13 anos, entretanto Segre concebeu outros exemplares politizados, tendo como foco principal a imigração. Segundo as suas palavras, e tendo em conta as suas raízes académicas na sociologia, é desse tema que parte e se discute quase toda a política atual, sobretudo nos cantos europeus, e em Itália em particular. Isto para reforçar o evidente: «A Grande Ambição» ostenta esse sentimento de ser-se político e, como chamada de um “Hoje” em que a esquerda parece dizimada pela vontade impetuosa da direita e pelas variações populistas e extremistas, Andrea Segre faz deste retrato claro uma revisitação aos tempos em que as ideias eram palcos de debate, cuja visão de futuro se projectava no voto, ao invés da intrínseca frustração e do descontentamento que dão à luz partidos frankensteinianos, onde só os “pés de barro” desejam insuflar-la com pseudo-ideias para além da ambição de Poder. E, para isso, há que lamber as cicatrizes, as tais feridas de uma Itália traumática, ao incidente de Aldo Moro (primeiro ministro italiano sequestrado e assassinado pela Brigada Vermelha, muitos apontam pelo alegadamente como prova da incerteza dos factos, ver série «Esterno notte» assinado por Marco Bellocchio) e perceber como tudo isso se estende até à nossa atualidade. Pontos aqui e ali preenchem esta biopic, tornando-a mais do que uma envolvência esquemática: fazem desse pacto um gesto político, quiçá bem-passado, capaz de cair no goto de uma audiência mais vasta, deixar de lado os manifestos de palanque e o sangue na guelra dos aventurados. Mas é no antes e depois de tão marcante evento [Moro] que deparamos com as consequências de um vazio, palavras ocas daquelas capazes de enfurecer Nanni Moretti, que em «Abril», grita salivando perante o televisor: “Digam qualquer coisa!!”. A política dos ecos está aí e não é ecológica. «A Grande Ambição», filme concretizado e respeitado na linha perceptível da sua intenção (de vestes clássicas e sem trajetos transgressivos), é um bom ponto de partida para compreender essa nascente seca.
Título original: Berlinguer – La grande ambizione Realização: Andrea Segre Elenco: Elio Germano, Paolo Pierobon, Roberto Citran Duração: 122 min. País: Itália, 2024
[Crítica publicada originalmente na Metropolis 119 – Junho 2025]
A Grande Ambição | Dia 26 de outubro, sexta, às 13h15, no TVCine Edition e no TVCine+

