O backlash parecia inevitável. Justa ou injustamente, o aumento significativo de afro-americanos entre os nomeados e vencedores da 89. ª cerimónia dos Oscars não pode deixar de ser visto na sequência das muitas críticas que se ouviram em 2016 sobre a falta de representatividade e de diversidade étnica na indústria cinematográfica norte-americana. Quer isso dizer que o prémio de melhor actriz secundária para Viola Davis pela sua interpretação em «Vedações» é menos merecido? É evidente que não.
Num filme excessivamente estático e verboso, onde a origem teatral é penosamente visível, Davis é de facto a excepção que imprime dinâmica, realismo e subtileza à acção. Mas Denzel Washington é a regra. É ele o grande protagonista à frente e atrás das câmaras, e, infelizmente, aqui fracassa duplamente. A sua interpretação é grandiloquente quando era preciso ser simples, o trabalho de realização é indiferenciado quando só um rasgo de originalidade podia resgatar a obra do rótulo de “teatro filmado”.
A colagem à peça homónima, da autoria de August Wilson, parece estar relacionada com o facto de ter sido o próprio dramaturgo a fazer a adaptação do texto para filme. Faltou uma visão mais distanciada, mais livre, mais cinematográfica. Visão essa que Washington também não foi capaz de trazer, ele que, a par com Davis, foi cabeça-de-cartaz da primeira de duas reposições da peça na Broadway (2010 e 2013). Ironicamente, a metáfora das vedações não se aplica tão bem à história que o filme quer contar como à história da feitura do filme em si. A palpável falta de vida em «Vedações» é resultado de um fechamento endogâmico.
Centrado sobre uma família afro-americana a viver em Pittsburgh na década de 1950, o filme quase não toca o contexto social, as graves tensões raciais em que supostamente se inscreve a narrativa. Debaixo de foco estão sobretudo as angústias e frustrações privadas de Troy (Washington), um homem negro de meia-idade, casado, com dois filhos, uma casa própria nos subúrbios e um emprego apesar de tudo estável como lixeiro. De fora deste esboço de caracterização estão a pesada carga do passado, um início de vida que não foi manso, os erros da juventude, o desmoronar do grande sonho de singrar no basebol, etc. É nesta bagagem, sugerida através de diálogos longos e repetitivos, que somos obrigados a buscar as ferramentas que nos permitem começar a compreender a postura e as atitudes questionáveis da personagem. Mas o trabalho é forçado e a recompensa pequena. Apesar da fina armadura contextual, compósita, o que salta à vista é a sobreposição do ego ao amor.
Título original: Fences Realização: Denzel Washington Elenco: Denzel Washington, Viola Davis, Stephen McKinley Henderson Duração: 139 min. EUA/Canadá, 2016
[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº47, Maio 2017]
https://www.youtube.com/watch?v=spCxVd9ctFs