O reconhecimento internacional do talento literário de John Le Carré começou nos anos 60 quando o seu terceiro romance O Espião que veio do Frio (1963) se tornou uma sensação e um best-seller pelo modo realista como retratava o sombrio e misterioso mundo da espionagem, que na realidade estava nos antípodas das fantasias escapistas imaginadas pelo pai de James Bond, Ian Fleming. Uma das personagens menores de O Espião que veio do Frio é um discreto funcionário dos serviços secretos britânicos, um homem chamado George Smiley, que quase 15 mais tarde irá ser o protagonista de um dos mais brilhantes e singulares romances de espionagem: A Toupeira. Para se compreender a importância de A Toupeira no imaginário do mundo fictício de espionagem de Le Carré importa talvez ter presente que o homem que o mundo conhece como John Le Carré de facto se chama David John Moore Cornwell e foi um membro activo dos serviços de segurança britânicos (MI5 e MI6) durante a década de 50 e parte da de 60. A razão porque o autor deixou os serviços secretos encontrou um eco em A Toupeira pois Cornwell foi uma das vítimas da traição colossal perpetrada pelo espião Kim Philby, que durante décadas trabalhou nos serviços de informação britânicos ao mesmo tempo que espiava para Moscovo. O impacte desta traição e da acção do chamado grupo de Cambridge, que tinha penetrado os mais sensíveis postos da defesa britânica, fez-se sentir durante muito tempo e deixou sequelas.

Em 1974 Le Carré publica A Toupeira que é a sua reformulação ficcional do trauma da traição de Philby no seio da sua versão do mundo da espionagem britânica. Cinco anos mais tarde, em 1979, a BBC faz uma assombrosa adaptação do romance tendo como protagonista a figura ímpar de Alec Guiness no papel do discreto mas tenaz George Smiley, o homem encarregado de descobrir a identidade do espião que anda a trair os segredos do ‘Circo’ para os soviéticos. A adaptação é bastante aproximativa da letra e atmosfera do romance, sendo particularmente eficaz no modo como estabelece um mundo glauco e pleno de desespero onde os indivíduos não são mais do que meras peças num grande jogo cujos desenlace é em última análise insignificante. Adaptada por John Hopcroft e dirigida por John Irvin esta produção da BBC, que se estende por 7 episódios, resulta uma narrativa envolvente que avança em ritmo lento onde é dada uma enorme atenção aos mais pequenos detalhes, e que aos poucos revela uma realidade cinzenta, suja e algo deprimente sobre os bastidores do ‘Grande Jogo’. O resultado final marcou um ponto alto na produção televisiva britânica da época e deu a Alec Guinees a oportunidade de brilhar num desempenho que é uma obra-prima de contenção, elegância e precisão. Guiness voltaria à personagem alguns anos depois com a produção da sequela «A Gente de Smiley» («Smiley’s People»).

Rui Brazuna

Título original: Tinker Tailor Soldier Spy Realização: John Irvin. Elenco: Alec Guinees, Ian Richardson, Bernard Hepton, Joss Ackland, Beryl Reid. Reino Unido, 1979

*Texto publicado na Metropolis 0.5 (Julho 2012)

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