«The Hunger Games: A Balada dos Pássaros e das Serpentes» é baseado na prequela homónima de Suzanne Collins, que revisita o universo Hunger Games para destrinçar a raiz do mal em torno do antagonista da saga, o Presidente Snow.
A acção regressa ao passado (64 anos antes da saga original) e acompanha o jovem Coriolanus Snow, interpretado por Tom Blyth. É uma performance em torno da evolução do carácter e do percurso académico do personagem, com revelações das suas origens e o facto de ele ser realmente um pária à procura da sua oportunidade de ouro. O seu pedigree foi manchado pelas acções do pai durante a guerra civil que assolou os Distritos de Panem (um território da América do Norte). Anos mais tarde o jovem Snow esforça-se nos estudos para entrar na cadeia de poder do Capitólio (a capital que controla os destinos de Panem).
Os “Jogos da Fome” propriamente ditos ocupam o segundo capítulo desta obra. A sua exposição é menos intensa e transforma-se num thriller de sobrevivência. É o momento em que nos é apresentada a personagem de Lucy Gray Baird (Rachel Zegler), é ela que abre o coração de Coriolanus Snow. Ela é uma faísca que abre uma panóplia de possibilidades a Snow e representa o famoso Distrito 12 (o mesmo de Katniss Everdeen, a heroína da saga original). Se Lucy ganhar os Jogos da Fome ela será o bilhete para a carreira de sucesso de Snow que está responsável por protegê-la durante o sanguinário evento onde só uma pessoa sobreviverá.
O último capítulo é o mais interessante, é desenrolado no famoso Distrito 12. Saímos do cenário urbano e abrem-se as cores e os sons da paisagem natural, como também se revela o lado mais negro da natureza humana.
Este conto YA (Young Adult) é muito curioso ao apresentar uma história milenar sobre a perda da inocência, mas em cenário distópico. Onde a amizade e o amor são atropelados pela ganância de poder e fortuna. É uma história que se repete em novas gerações marcadas pelo egoísmo e que são capazes de atirar para debaixo de um carro os pais e amigos para conseguirem o que querem com ferramentas como a mentira e a traição.
A protagonista, Lucy Gray Baird, é uma espécie de Taylor Swift/Dolly Parton, ou seja, uma mulher que é julgada pela sua aparência, mas no fundo tem garra e sabe o quer. A sua personagem acredita na bondade e no amor e utiliza a sua música como um meio de protesto. Ela não é uma lutadora do ponto vista físico, mas é uma corajosa sobrevivente. É prematuro julgar em demasia Rachel Zegler, a actriz poderá ter uma carreira promissora com um papel ainda mais exigente. Neste filme tem um desempenho expectável e seguro. Houve evidentemente a tentativa de criar um romance YA 2.0, que resulta devido a variações dramáticas que estão presentes na trama.
Não apreciei o trabalho de caracterização de Viola Davis e Peter Dinklage – os actores não precisavam ser tão over the top, embora se entenda que o livro provavelmente exigia a excentricidade dos personagens. No caso de Viola Davis, uma EGOT (vencedora de Emmy, Grammy, Oscar e Tony), tem uma presença destoada e não necessitava de um pingo de caracterização para ser eficaz e medonha no papel de Dr. Volumnia Gaul, a maquiavélica vilã desta obra.
O realizador Francis Lawrence está num nível à parte entre os seus pares em termos de worldbuilding e cenários com a civilização de pernas para o ar. Ele concebe e realiza universos distópicos como ninguém. Além da saga original de Hunger Games, dirigiu «Eu Sou a Lenda» (2007), um dos melhores desempenhos de Will Smith, e ajudou a criar o template visual (a “Bíblia do show”) de «See», da Apple TV, com Jason Momoa. Neste filme, Francis Lawrence apresenta um trabalho em forma de prequela com um aparato mais contido mas com interessantes contrastes visuais.
«The Hunger Games: A Balada dos Pássaros e das Serpentes» está longe de ser um falhanço ou de nos deixar com saudades de Jennifer Lawrence. É uma obra distinta e não vive à sombra da trilogia original.
Título original: The Hunger Games: The Ballad of Songbirds & Snakes Realização: Francis Lawrence Elenco: Rachel Zegler, Tom Blyth, Viola Davis, Peter Dinklage, Hunter Schafer Duração: 157 min. EUA, 2023
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº100, Dezembro 2023]
https://www.youtube.com/watch?v=guJPwf6ThhA&t=5s