Ator prolífico, com múltiplas aparições no grande ecrã desde os anos 1990, Emmanuel Courcol deu à cidade de Cannes um alento, em plena pandemia, quando a estância balnear teve de improvisar um formato pocket do seu festival anual (o mais respeitado do mundo), a fim de demarcar a luta do cinema para manter as suas salas abertas sob o turbilhão da covid-19. Na ocasião, outubro de 2020, ele aceitou exibir «Um Triunfo» no Palais des Festivals, para uma audiência com máscaras no rosto, no empenho de usar a arte como um instrumento de resistência. Dois dias depois da sessão, Emmanuel Macron “fechou” o país, decretando um novo (e severíssimo) lockdown. Antes do confinamento entrar em vigência, a recordação dos esforços do cineasta em celebrar a luta de personagens carentes de uma segunda chance valeram-lhe o respeito do evento comandado por Thierry Frémaux e o carinho da sua pátria. Não é por acaso, que ele voltou a Cannes, em 2024, para exibir um novo exercício (autoral): «En Fanfare», que estreia agora em Portugal com o título de «Siga a Banda!». Ganhou uma vitrine paralela, fora de concurso, mas obteve o aplauso e as boas críticas, além de ser convidado para o Festival de San Sebastián. Da Espanha saiu com o troféu Cidade de Donostia, mimo resultante de uma votação de júri popular da mostra Perlak. Era já um indício de que possuía uma narrativa popular nas mãos. Esse indicativo confirmou-se na prática quando a longa-metragem entrou em cartaz na sua nação, onde vendeu 2.583.336 ingressos. Tais cifras creditam Courcol como uma garantia de sucesso.


Transformado em realizador com «Cessez-le-feu» (2016), ele estabeleceu o seu projeto estético nas raias da dramédia, com atenção voltada para personagens catalizadores de reações dos satélites que os cercam. Ou seja: o seu cinema fala de pessoas notabilizadas por destrezas que contagiam figuras de classe sociais mais desfavorecidas de soldo a agir em prol de mudanças no seu habitat. Foi assim com o ator e instrutor de teatro no cárcere interpretado por Kad Merad em «Um Triunfo». É assim com o regente interpretado (nas raias do esplendor) por Benjamin Lavernhe em «Siga a Banda!». O carisma dele injeta viço a situações de fragilidade (física e mental) do maestro que interpreta, Thibault. Astro em ascensão, premiado em San Sebastián por «Quando Chega o Outono», de François Ozon, Pierre Lottin também ilumina a cena de Courcol, numa condição de coprotagonista.

O que vemos é um ensejo de bromance, onde o prefixo bro pode ser tomado de forma literal, uma vez que se trata da formação do amor entre irmãos. Essa perspectiva afetiva se deleita no requinte sob a delicada luz construída pela direção de fotografia de Maxence Lemonnier, num acabamento técnico acima da média para produções francófonas mais comerciais. Trata-se de um caso de I wannabe a blockbuster, mas um caso de esmero formal.

As confusões que regem a trama, num misto de riso e dor, começam no momento em que Thibaut (Lavernhe, impecável), no auge do sucesso em salas de concerto da Europa, recebe o diagnóstico de leucemia. Na luta contra a doença, ele descobre que foi adotado quando era bebé e não pode contar com a medula da irmã (adotiva), pois existe uma incompatibilidade de DNA. A solução para sua vida aparece quando é informado de que tem um irmão biológico, o assistente de cozinha Jimmy (Lottin), que gasta o seu tempo livre a ensaiar numa banda formada por instrumentistas amadores.

A hipótese de que Jimmy possa ser um doador instiga Thibaut e o leva a buscar uma conexão fraterna. Existe, contudo, uma exigência por parte do seu maninho recém-descoberto: em troca da doação, o músico deve ensaiar com o grupo de Jimmy numa releitura de “Bolero” de Ravel. A demanda é simples. Parece, pelo menos. No entanto, existem ali meandros sociais em jogo. Além de meandros ligados a um sentimento de exclusão por parte daqueles e daquelas aspirantes a artistas.

Deslumbrado pela pujança de Thibaut, assegurada pela graciosidade cénica de Lavernhe, o olhar de Courcol nem sempre se atenta às aflições sentimentais do seu coro de coadjuvantes, com o erro de resvalar em pontuais caricaturas na busca pela gargalhada. Apesar disso, trata com sabedoria a angústia de dois irmãos, lotados em extremos opostos da pirâmide financeira francesa, para alcançar harmonia. Fora isso, o seu desfecho apoteótico atenua os deslizes pontuais.

Título original: En Fanfare Título internacional: The Marching Band Realização: Emmanuel Courcol Elenco: Benjamin Lavernhe, Pierre Lottin, Anne Loiret Duração: 103 min. França, 2024

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