“Agora tornei-me a Morte, destruidor de mundos.” As palavras são de J. Robert Oppenheimer, o físico norte-americano mais conhecido como o “pai da bomba atómica”. Em 1945, o Mundo mudou para sempre, depois de as bombas atómicas terem atingido Hiroshima e Nagasaki, marcando o final da II Guerra Mundial.
Christopher Nolan procura perceber quem foi Oppenheimer antes e após esse momento divisor, tendo como base a obra “American Prometheus”, de Martin J. Sherwin e Kai Bird. O cineasta britânico aventura-se, pela primeira vez, num filme biográfico, numa empreitada de grande monta, sobretudo tendo em conta o perfil profundamente complexo do retratado. No seu percurso, figuram dramas históricos, distópicos espaciais e até filmes de super-heróis, mas a marca de Nolan são, sobretudo, as voltas e reviravoltas das suas narrativas, especialmente sentidas em obras como «Memento» (2000), «A Origem» (2010) ou «Tenet» (2020). «Oppenheimer» é, porventura, o que mais se afasta dos twists, mas isso não faz deste filme menos seu.
«Oppenheimer» é uma obra de Nolan na sua mais profunda essência, pensado ao detalhe e executado com precisão. O guião bem construído por Nolan e os próprios autores do livro são a base para uma narrativa que envolve o espectador do início ao fim. Mas, claro, Cinema não é só argumento. E é aqui que «Oppenheimer» se eleva, num conjunto de elementos em que tudo parece resultar, como a fotografia acutilante de Hoyte Van Hoytema ou a música de Ludwig Göransson, que agudiza a aproximação ao âmago de Oppenheimer. A sinfonia do conjunto é particularmente patente quando Oppenheimer discursa perante um público eufórico, em pleno contraste com as suas emoções. A materialização da culpa ganha, aqui, outra dimensão, num dos melhores momentos do filme, tal como no teste da bomba, em que o trabalho superlativo no que diz respeito ao som é particularmente assinalável.
A escolha do elenco é também certeira, com vários atores de renome, mesmo que em personagens mais secundárias. Destaque para o sempre carismático Matt Damon, a presença marcante de Emily Blunt e Florence Pugh, e Robert Downey Jr., que volta a mostrar todo o seu arcaboiço interpretativo. A sua participação enquanto Lewis Strauss rende algumas das melhores cenas da obra, garantindo um dos melhores trabalhos da sua carreira. Mas, claro, o rei e senhor de «Oppenheimer» é quem dá vida ao personagem principal, Cillian Murphy. Depois de ser secundário em muitos dos filmes de Nolan, o ator torna-se, finalmente, protagonista. Em resposta ao desafio, Murphy não falha e oferece um desempenho irrepreensível, transmitindo o abismo e o conflito interior do retratado nas palavras e na expressão corporal – uma interpretação no fio da navalha que Nolan exalta.
O Projeto Manhattan, de contornos megalómanos e com uma ambiciosa missão, é revelado com pormenor no filme, mostrando como a liderança de Oppenheimer foi determinante. A descoberta tornou-o no Prometeu Americano, dando ao Homem uma arma, até então, impensável e com consequências, também elas, não totalmente conhecidas na época. O filme debruça-se, sem julgamentos, sobre o conflito interno do cientista, que mudou a II Guerra Mundial e todas as outras, mas que defendia a paz.
Embora as suas obras sejam diferentes entre si, há algo que se une nos filmes de Nolan: o espectador fica com algo para pensar, dificilmente sai o mesmo. Na sua nova obra, as perguntas são muitas, mas a mais acutilante será, certamente, a que o protagonista faz a si próprio no final. «Oppenheimer» é Cinema em estado puro.
Título Original: Oppenheimer Realização: Christopher Nolan Elenco: Cillian Murphy, Robert Downey Jr., Emily Blunt, Matt Damon, Kenneth Branagh, Florence Pugh, Tom Conti, Josh Hartnett, Benny Safdie Duração: 180 min. EUA/Reino Unido, 2023
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº97, Verão 2023]
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