Em «The Surfer», Lorcan Finnegan entrega-nos à paisagem rude de uma certa masculinidade contemporânea, filmando as areias australianas como se fossem os escombros de um império ruído por dentro. Protagonizado por Nicolas Cage, num registo entre o paroxismo e a desintegração, o filme encena o colapso de um homem que regressa ao lugar simbólico da sua juventude – a praia onde aprendeu a surfar – apenas para descobrir que já não há espaço para ele. Literalmente: o banco de areia foi tomado de assalto por outros homens, mais jovens, mais agressivos, mais “donos” daquele território.
Este não é apenas um thriller psicológico, é uma parábola sobre os delírios da masculinidade ferida. Cage interpreta um homem que acredita ainda poder comprar a sua posição no mundo: com dinheiro, com propriedade, com uma espécie de charme desajustado. Mas tudo falha. A sua tentativa de reconexão com o filho é patética, o desejo de reconciliação com a ex-mulher assenta numa fantasia de que o amor é uma transação, e que o tempo – e os erros – podem ser apagados.
A violência que se instala não é apenas física, é uma erupção simbólica: o surfista vê-se obrigado a defender o seu território, tentando recuperar a virilidade pela força. Mas o que Finnegan mostra, com um sarcasmo seco, é que essa força é uma farsa: um eco vazio de uma masculinidade que já não tem lugar nem linguagem – ainda que persista. A praia torna-se um palco de humilhação onde o corpo é exposto, queimado, ferido, como se fosse preciso sangrar para se provar homem.
Ao fundo, entre as ondas e o sol inclemente, resta uma pergunta: e se o amor não puder ser comprado? E se o passado for irreversível? «The Surfer» não oferece redenção – apenas o retrato cru de uma masculinidade que insiste em lutar pelo que já perdeu, sem saber que esta luta é o que o condena.
Título Original: The Surfer Realização: Lorcan Finnegan Elenco: Nicholas Cage, Julian McMahon, Finn Little, Rahel Romahn, Michael Abercromby Origem: Austrália, Irlanda Ano: 2024 Duração: 99 minutos

