NUNCA CHOVE NA CALIFÓRNIA

«Nunca Chove na Califórnia», de Jamie Dack, é uma brilhante e desconcertante obra de estreia, um tratado na observação de uma relação tóxica e ambígua entre uma teenager de 17 anos seduzida por um homem com o dobro da sua idade. Um romance entrelaçado com grooming de um predador sexual na manipulação de uma jovem perdida na inquietude suburbana durante as férias escolares. Lea (Lily McInerny) tem as suas vulnerabilidades: os pais ausentes, amigos ocos, uma espécie de namorado, a solidão e a ambição de ter uma visão para o futuro. Tom (Jonathan Tucker) seduz a jovem com a sua canção de bandido. O filme apresenta-nos um personagem que possui uma dualidade – a ambiguidade é um dos triunfos deste filme –, Tom diz as palavras certas, mostra-se atencioso e carinhoso pera com Lea, que ignora todos os sinais de perigo. As verdadeiras intenções de Tom surgem numa sequência arrasadora, filmada com enorme sobriedade e sensibilidade por Jamie Dack, cumprindo a velha máxima que diz que aquilo que não se vê ainda é mais perturbador… «Nunca Chove na Califórnia» opta (e muito bem) por não hiper sexualizar, nem representar de uma forma simplista Lea. Lily McInerny brilha na sua estreia no papel ultra delicado de Lea. «Nunca Chove na Califórnia» é muito mais do que um alerta ao público, infelizmente é a representação de uma insólita realidade na perspetiva emocional e visual da jovem vítima. Uma obra que nos lembra que o romance e a sedução por vezes andam de mãos dadas com a manipulação e o abuso. Uma estreia em Portugal através da plataforma de streaming Filmin.

Título Original: Palm Trees and Power Lines Realização: Jamie Dack Elenco: Lily McInerny, Gretchen Mol, Jonathan Tucker Duração: 110 min. EUA, 2022

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº96, Agosto 2023]