As realizadoras Lise Akoka e Romane Gueret conheceram-se em 2015 numa produção francesa em que a primeira trabalhava como diretora de casting e coach de atores e a segunda como estagiária (também de casting). Juntas andaram à procura de pequenos atores numa região mineira do norte de França, e dessa circunstância nasceu a ideia para uma curta que realizaram no ano seguinte, «Chasse Royale» – o tema andava à volta dos métodos de casting, pois claro. «Os Piores», primeira longa-metragem da dupla, surge então como uma espécie de sequela de «Chasse Royale», estendendo a “investigação”, para além do casting, à experiência emocional dos jovens escolhidos para protagonizar um filme rodado na zona de subúrbio onde habitam. Porquê o título «Os Piores»? Porque, segundo a vizinhança, aqueles miúdos são a pior amostra do bairro social que servirá de cenário para a dita produção, e as pessoas estão fartas que o cinema reforce o estigma sobre elas, projetando no grande ecrã a imagem da miséria…

Esta é apenas uma das interrogações levantadas por um filme que se apresenta em modo de “documentário” sobre uma produção independente, mas que acaba por adotar uma forma não muito distante do seu objeto de análise, apesar da leve nota de ironia. A diferença, ainda que pouco vincada, está na atenção particular que a lente de Akoka e Gueret dedica aos seus atores não profissionais, ao mesmo tempo que questiona o impacto que uma rodagem pode ter nas suas vidas. Será que vai ser uma experiência positiva? Será que vai perturbar alguém ou, pelo contrário, despertar algo para o futuro? Todas as hipóteses se verificam nos quatro jovens, rapazes e raparigas não atores, de «Os Piores», e essa é a delicadeza humana presente neste olhar que assimila a linguagem do chamado realismo social, justamente para o colocar em perspetiva.

É possível que as linhas ambíguas da ficção suscitem a ideia de que o filme não é suficientemente corajoso em termos de “denúncia” das condições de trabalho neste tipo de produções, mas talvez a pergunta seja mais esta: Lise Akoka e Romane Gueret queriam denunciar alguma coisa, ou antes mostrar a complexidade que envolve, já agora, qualquer rodagem? Será por aí que «Os Piores» é bem-sucedido, alcançado um retrato que tem sobretudo que ver com as relações humanas no contexto de qualquer processo criativo. O que interessa aqui é olhar de frente a coexistência da arte e do social, nos seus momentos bons e menos bons, à procura de uma luz.

Título Original: Les Pires Realização: Lise Akoka, Romane Gueret Elenco: Mallory Wanecque, Timéo Mahaut, Loïc Pech Duração: 99 min. França, 2022

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº96, Agosto 2023]

https://www.youtube.com/watch?v=q2cOtwPfO0w
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