É sob o efeito de anfetaminas que arranca o novo Madden, cujas sequências iniciais são suportadas por uma montagem que impede os planos de respirarem. Goste-se ou não, o efeito é deliberado: ele pretende mergulhar-nos de cabeça no ritmo da vida da protagonista. Quem é ela? Uma ‘lobbista’ de Washington D.C. (Chastain) que, logo no princípio, comparece no tribunal para ser julgada por fraude. Daqui nascerá um longo flashback, que tratará de lançar luz sobre as razões que realmente explicam a sua ida a julgamento. Por via de uma série de ‘cenas de gabinete’ que nunca se libertam do texto (sente-se que os atores se limitam a recitar), ficamos a par do essencial. Nomeadamente: que, depois de ter sido sondada pela indústria de armamento para tentar impedir a aprovação no senado de um projecto de lei que restringe o acesso às armas de fogo, a protagonista acabou por passar para o outro lado da barricada, isto é, para uma pequena firma que trabalha em prol da aprovação do projecto. Quanto à motivação da personagem, essa, reside menos no mérito da causa do que na remota possibilidade de fazer triunfar uma causa perdida (é quase certo que o projecto morrerá no senado). De facto, o que Madden nos oferece é, antes de mais, o retrato de uma business woman que não olha a meios para atingir os seus fins, não hesitando, por exemplo, em revelar ao mundo o trauma secreto de uma das suas mais próximas colaboradoras, apenas para vencer um debate. O contraste que assim se cria entre a perversidade dos seus métodos e a bondade do seu objectivo é quanto basta para espalhar uma sombra de ambiguidade sobre o filme, cujo verdadeiro tema é menos o das armas do que o da corrupção. Mas, em vez de suster essa ambiguidade, Madden optará por desfazê-la através de um twist final, que visa apenas reabilitar a protagonista aos olhos do espectador. O filme não precisava dessa ‘almofada’ para marcar o seu ponto, tanto mais que, por meio dela, o argumento tenta dourar à pressa uma pílula que, na realidade, é bastante negra. Ficamos pois com a sensação de que “Miss Sloane” poderia ter sido bem melhor do que é, a saber: uma tentativa falhada para fazer um thriller político à altura dos que Pakula nos deu nos anos 70.
Título original: Miss Sloane Realização: John Madden Elenco: Jessica Chastain, Mark Strong, Gugu Mbatha-Raw Duração: 134 min. EUA/França, 2016
[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº46, Fevereiro 2017]
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