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PLEASE REWIND
RAN – OS SENHORES DA GUERRA, 1985
1985. O ano em que Portugal aderia à nova vida e impacto ao que Kurosawa
então Comunidade Económica Euro- criou de forma exímia: composição, fo-
peia, em que Reagan e Gorbachev se tografia e uso da cor. Plano após plano,
reuniram pela primeira vez e em que o meticulosamente concebidos, «Ran»
Super Mario foi lançado. Não de some- mantém-nos num estado permanente
nos importância, foi também o ano em de reverência e admiração. Pela estética
que nasceu esta que vos escreve. e, sobretudo, porque o belo cria novos
sentidos em justaposição à narrativa de
No cinema, estreavam referências in- guerra, destruição, eternos retornos e
contornáveis como «Regresso ao Fu- ausência de esperança, na qual não há
turo», «A Cor Púrpura» ou «Cocoon». heróis virtuosos, nem redenções possí-
Nenhuma talvez tão impactante como veis. É o feio a fazer sobressair o belo. Ou
«Ran – Os Senhores da Guerra», obra- o belo a construir uma ordem artificial
-prima do mestre Akira Kurosawa. Par- perante a tragédia humana.
tindo da premissa (indiscutível) de que
não existem filmes perfeitos, «Ran» Tragédia é, sem dúvida, a palavra certa.
MARISA aproxima-se da fasquia desse quase im- Em «Ran», Kurosawa volta a inspirar-se
VITORINO possível. numa tragédia de Shakespeare, trans-
FIGUEIREDO pondo-a para o Japão Medieval. Desta
Vê-lo, 40 anos após a estreia, é ter o privi- feita é King Lear, que passa a ser a his-
légio de contar com a versão restaurada tória da família Ichimonji, cujo império
em 4K do StudioCanal e Kadokawa (dis- é forjado por um passado de guerras,
ponível em streaming no Filmin), que dá sangue e destruição. Tal como na nar-
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